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  • Clóvis Rossi: Lava Jato corre o risco que abalou a Mãos Limpas

         Membros da Lava Jato em coletiva na 39ª fase da operação, na superintendência da                                     PF em Curitiba/  Foto: Geraldo Bubniak/AGB/Folhapress

    Clóvis Rossi é repórter especial. Ganhou prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Escreve às quintas e aos domingos.

    O fim do grupo exclusivo da Lava Jato em Curitiba pode ter sido apenas uma medida de natureza administrativa, que não afetará necessariamente as operações da maior operação de combate à corrupção no Brasil.

    É essa, pelo menos, a alegação oficial. Mas pode ser também um passo mais para quebrar as pernas dos investigadores. Suspeito que seja esta a hipótese mais provável, por um motivo bem simples: não dá para ser inocente a ponto de acreditar que uma investigação que atinge os mais poderosos agentes públicos e privados –até aqui intocáveis– prossiga sem que haja uma reação deles e de seus protegidos e/ou correligionários.

    É útil, a propósito, rememorar o que houve com uma operação parecida, a “Mãos Limpas”, efetuada na Itália, que tem pontos de contato com a brasileira, mas também tem, naturalmente, diferenças importantes.

    Vou basear a comparação em excelente artigo da economista Maria Cristina Pinotti para o Instituto Fernand Braudel, notável centro de pesquisas em São Paulo.

    Para começar, a rememoração do que foi a “Mãos Limpas”:

    “foi a maior investigação sobre corrupção na administração pública de que se tem notícia. Ocorreu na Itália, a

    partir do início de 1992, e durou dez anos.

    “Seu período crucial, entretanto, teve a duração de aproximadamente três anos, até o fim de 1994.

    “As investigações desvendaram um sistema criminoso e corrupto muito abrangente que atingiu algumas centenas de parlamentares de praticamente todo o arco político da época (exceção feita aos partidos de extrema esquerda e extrema direita), além de empresários, policiais e membros do judiciário”.

    Muito semelhante à Lava Jato, certo?

    Na Itália, foram acusados dois chefes de governo (Bettino Craxi, do Partido Socialista Italiano, e Silvio Berlusconi, criador de “Forza Italia”, de direita).

    Mais uma coincidência com o Brasil: aqui, todos os três chefes de governo mais recentes (o atual, Michel Temer, e seus antecessores Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff) estão sob suspeita em casos investigados pela Lava Jato, de diferentes naturezas.

    Uma diferença essencial: Bettino Craxi teve que renunciar e acabou morrendo no exílio (na Tunísia). Berlusconi chegou a ser condenado em primeira instância, mas escapou na segunda instância e até hoje consegue postergar indefinidamente o julgamento por diferentes acusações.

                        Silvio Berlusconi, líder do partido Forza Italia, em foto de 2015 de                                                                      Stefano  Rellandini – Reuters

    Como é natural, pelo peso político e econômico dos envolvidos, a “Mãos Limpas” provocou enorme reação, relata Pinotti:

    “Avolumaram-se as denúncias na imprensa sobre abuso de poder nas investigações e foi iniciada uma verdadeira indústria de dossiês, sobretudo contra a figura principal da operação, o procurador Antonio Di Pietro. Em meados de 1994 o conselho de ministros do novo governo [de Berlusconi] aprovou um decreto lei que ficou conhecido popularmente como decreto ‘salva ladrões’ (salva ladri), que impedia prisão cautelar para a maioria dos crimes de corrupção. Com isso, a maior parte dos presos foi solta, indo para prisão domiciliar, provocando um enorme dano nas investigações”.

    Lembra o Brasil? Lembra a tentativa de derrubar a hipótese de prisões após condenação em segunda instância?

    Há mais, sempre segundo Pinotti:

    “Há quem diga, por exemplo, que seu objetivo [da OMP ou Operazione Mani Pulite, nome em italiano] era eliminar toda a classe política, seguindo um plano orquestrado pelos comunistas, ou pela CIA –dependendo da preferência ideológica do acusador.”

    Você certamente já leu ou ouviu esse tipo de comentário sobre a Lava Jato, certo?

    Continua a comparação: “Lá (como cá…) acusava-se a OMP de investigar apenas alguns setores da classe política, preservando outros (como o Partido Comunista)”.

    Lembra-se de o PT inteiro dizer que a Lava Jato é uma operação para destruir o partido? Na Itália, a defesa dos magistrados era que não haviam conseguido provas para indiciar outros setores.

    Aqui, a defesa acabou sendo a realidade: a Lava Jato não poupa nenhum grande ou médio partido.

    A operação desmonte da “Mãos Limpas” passou também por denúncias de excessos no uso de delações premiadas, de prisões e de escutas, como ocorre agora no Brasil.

    Diz Pinotti, sobre a Itália: “As denúncias nunca foram comprovadas, mesmo depois de inúmeras investigações oficiais ocorridas desde então”.

    Creio que é o suficiente para que o público fique atento para evitar o desmanche da Lava Jato, que pode ter defeitos e pode até cometer abusos, mas tem um resultado positivo impossível de negar: prisões de intocáveis e a confissão de executivos de grandes empresas de que cometeram crimes.

    Ninguém confessa nada se não cair na rede uma investigação bem feita.

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