O coronavírus e a ameaça à supremacia dos EUA

Mark Lennihan, File/AP
Por Gideon Rachman, Financial Times
No auge da Guerra Fria, Ronald Reagan afirmava que as rivalidades entre as nações desapareceriam se o mundo fosse invadido por alienígenas. O ex-presidente dos Estados Unidos era otimista demais. Hoje, EUA e China enfrentam uma ameaça comum na forma do coronavírus. Mas, longe de unir esses dois rivais, a pandemia parece estar intensificando sua rivais, a pandemia parece estar intensificando sua rivalidade.
Pode-se perceber por que a China fareja uma oportunidade nesta crise. O coronavírus atingiu as fraquezas dos EUA, e,ao mesmo tempo, tornou sua força temporariamente irrelevante. A máquina militar mais poderosa do mundo não tem muita utilidade contra um vírus. Mas a falta de uma cobertura universal de saúde subitamente tornou-se uma ameaça não só aos pobres como também a toda sociedade americana.
Os sistema econômico e político dos EUA estão patinando.Um em cada dez trabalhadores americanos perdeu o emprego em um período de três semanas. Republicanos e democratas suspeitam que o outro lado usará a pandemia para fraudar as eleições presidenciais que se aproximam. O economista e colunista Paul Krugman disse recentemente que a democracia americana está ameaçada.
Enquanto isso, o governo chinês alega que suprimiu quase que totalmente a transmissão doméstica do vírus. Combinando-se a relativa estabilização da China com a ameaça de uma nova Grande Depressão e uma profunda crise política nos EUA, é claramente possível que a Covid-19 desencadeie uma possível transferência do poder dos EUA para China. Ela poderá até mesmo marcar o fim da supremacia americana.
Esse debate sobre o declínio dos EUA acontece há décadas. De modo geral me encontro no campo “declinista” – que argumenta que o desgaste da hegemonia americana é real e inevitável. Mas, ao mesmo tempo tento me lembrar de duas questões importantes que atuam como um choque de realidade sobre o “declinismo” excessivo.
Atratividade dos EUA
Primeira questão: qual moeda no mundo você confia? Segunda questão: onde, fora de seu país natal, você gostaria que seus filhos frequentassem uma universidade ou trabalhassem? Para a maioria da classe média global, as respostas a essas perguntas são o dólar e os EUA, respectivamente. Se isso continuar valendo após a pandemia, então a supremacia americana sobreviverá à covid-1.
Essas duas medidas do poder dos EUA podem parecer idiossincrasias. Mas elas têm um significado amplo.
A atratividades das universidades e empresas dos EUA são uma medida da capacidade do país de atrair talentos de todas as partes do mundo, ao mesmo tempo em que espalha conceitos e práticas americanas. Ela também representa um voto de confiança na estabilidade e abertura dos EUA. Os pontos de vistas políticos das pessoas, às vezes são menos significativos do que a maneira como elas fazem suas escolhas. O que Xi Jinping e Barack Obama têm em comum é que os dois presidente têm filhas que estudaram em Harvard.
Por outro lado, Pequim ainda se esforça para atraia até mesmo os melhores acadêmicos chineses para trabalhar na China. O programa “Mil Talentos” do país vem tentando atrair acadêmicos importantes fornecendo salários excelentes e facilidades de pesquisa. Mas alguns acadêmicos que retornam à China, vindo dos EUA, estão desanimados com o clima político interno. Ele é muito mais intrusivo e ameaçador do que qualquer coisa que eles já encontraram na América de Donald Trump.
É claro que é possível que os EUA se torne um lugar menos atraente aos estrangeiros após a pandemia. Aumento da xenofobia, recessão profunda e prolongada, ameaça autêntica às liberdades políticas – todas essas coisas, ou qualquer uma delas, prejudicariam o “soft power” americano.
O onipotente dólar
Com isso, restaria o poderoso dólar. Embora a supremacia militar dos EUA venha sendo cada vez mais contestada, o papel global do dólar de “porto seguro” e principal moeda comercial é inconteste. Isso se traduz num enorme poder político. Os EUA podem usar sanções para alijar um país ou uma companhia do sistema do dólar. E, por ser uma moeda global, as sanções alcançam o mundo todo. Pergunte ao Irâ ou aos oligarcas russos visados pelos EUA. Muitas potências estrangeiras ressentem-se do poder do dólar, mas nenhum outro país possui uma moeda que inspira tanto respeito.
Mas a resposta dos EUA ao coronavírus poderá ser um teste na confiança que o mundo deposita no dólar. O pacote de estímulo de USR$ 2 trilhões recém-aprovado significa que a dívida interna dos EUA que já cresceu muito nos anos Trump vai aumenta ainda mais. Enquanto isso, o balanço do Federal reserve (Fed, o banco central americano) também vem crescendo muito na medida em que ele compra não só título do tesouro como também dívida das empresas. Se um país do “terceiro mundo” se comportasse dessa maneira, os especialista de Washington estariam alertando para a existência de um iminente crise.
Há um risco de até mesmo a mode americana perder a confiança do mundo. Afirmações tresloucadas de destacados políticos americanos de que os EUA deveriam dar um “default” nos títulos da dívida comprados pela China, como punição pela covid-19, certamente não ajudam.
Mas os EUA são ajudados pelo fato de que todas as alternativas ao dólar parecem ainda piores. A pandemia aumentou os temores de uma nova crise do euro. E a China ainda usa controles cambiais, temendo a demanda reprimida dos poupadores chineses para mandar dinheiro para fora do país. Outra alternativas apresentadas ao dólar – ouro, bitcoin – têm grandes desvantagens.
A frase escrita nas cédulas do dólar “In God we Trust”(em Deus confiamos). O apetite do mundo por dólares envia de volta a mensagem implícita “In America we Trust” (NA América confiamos). Se essa confiança sobreviver ao coronavírus, o mesmo acontecerá com a supremacia americana.