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    O coronavírus e a ameaça à supremacia dos EUA

    Mark Lennihan, File/AP

    Por Gideon Rachman, Financial Times

    No auge da Guerra Fria, Ronald Reagan afirmava que as rivalidades entre as nações desapareceriam se o mundo fosse invadido por alienígenas. O ex-presidente dos Estados Unidos era otimista demais. Hoje, EUA e China enfrentam uma ameaça comum na forma do coronavírus. Mas, longe de unir esses dois rivais, a pandemia parece estar intensificando sua rivais, a pandemia parece estar intensificando sua rivalidade.

    Pode-se perceber por que a China fareja uma oportunidade nesta crise. O coronavírus atingiu as fraquezas dos EUA, e,ao mesmo tempo, tornou sua força temporariamente irrelevante. A máquina militar mais poderosa do mundo não tem muita utilidade contra um vírus. Mas a falta de uma cobertura universal de saúde subitamente tornou-se uma ameaça não só aos pobres como também a toda sociedade americana.

    Os sistema econômico e político dos EUA estão patinando.Um em cada dez trabalhadores americanos perdeu o emprego em um período de três semanas. Republicanos e democratas suspeitam que o outro lado usará a pandemia para fraudar as eleições presidenciais que se aproximam. O economista e colunista Paul Krugman disse recentemente que a democracia americana está ameaçada.

    Enquanto isso, o governo chinês alega que suprimiu quase que totalmente a transmissão doméstica do vírus. Combinando-se a relativa estabilização da China com a ameaça de uma nova Grande Depressão e uma profunda crise política nos EUA, é claramente possível que a Covid-19 desencadeie uma possível transferência do poder dos EUA para China. Ela poderá até mesmo marcar o fim da supremacia americana.

    Esse debate sobre o declínio dos EUA acontece há décadas. De modo geral me encontro no campo “declinista” – que argumenta que o desgaste da hegemonia americana é real e inevitável. Mas, ao mesmo tempo tento me lembrar de duas questões importantes que atuam como um choque de realidade sobre o “declinismo” excessivo.

    Atratividade dos EUA

    Primeira questão: qual moeda no mundo você confia? Segunda questão: onde, fora de seu país natal, você gostaria que seus filhos frequentassem uma universidade ou trabalhassem? Para a maioria da classe média global, as respostas a essas perguntas são o dólar e os EUA, respectivamente.  Se isso continuar valendo após a pandemia, então a supremacia americana sobreviverá à covid-1.

    Essas duas medidas do poder dos EUA podem parecer idiossincrasias. Mas elas têm um significado amplo.

    A atratividades das universidades e empresas dos EUA são uma medida da capacidade do país de atrair talentos de todas as partes do mundo, ao mesmo tempo em que espalha conceitos e práticas americanas. Ela também representa um voto de confiança na estabilidade e abertura dos EUA. Os pontos de vistas políticos das pessoas, às vezes são menos significativos do que a maneira como elas fazem suas escolhas. O que Xi Jinping e Barack Obama têm em comum é que os dois presidente têm filhas que estudaram em Harvard.

    Por outro lado, Pequim ainda se esforça para atraia até mesmo os melhores acadêmicos chineses para trabalhar na China. O programa “Mil Talentos” do país vem tentando atrair acadêmicos  importantes fornecendo salários excelentes e facilidades de pesquisa. Mas alguns acadêmicos que retornam à China, vindo dos EUA, estão desanimados com o clima político interno. Ele é muito mais intrusivo e ameaçador do que qualquer coisa que eles já encontraram na América de Donald Trump.

    É claro que é possível que os EUA se torne um lugar menos atraente aos estrangeiros após a pandemia. Aumento da xenofobia, recessão profunda e prolongada, ameaça autêntica às liberdades políticas – todas essas coisas, ou qualquer uma delas, prejudicariam o “soft power” americano.

    O onipotente dólar

    Com isso, restaria o poderoso dólar. Embora a supremacia militar dos EUA venha sendo cada vez mais contestada, o papel global do dólar de “porto seguro” e principal moeda comercial é inconteste. Isso se traduz num enorme poder político. Os EUA podem usar sanções para alijar um país ou uma companhia do sistema do dólar. E, por ser uma moeda global, as sanções alcançam o mundo todo. Pergunte ao Irâ ou aos oligarcas russos visados pelos EUA. Muitas potências estrangeiras ressentem-se do poder do dólar, mas nenhum outro país possui uma moeda que inspira tanto respeito.

    Mas a resposta dos EUA ao coronavírus poderá ser um teste na confiança que o mundo deposita no dólar. O pacote de estímulo de USR$ 2 trilhões recém-aprovado significa que a dívida interna dos EUA que já cresceu muito nos anos Trump vai aumenta ainda mais. Enquanto isso, o balanço do Federal reserve (Fed, o banco central americano) também vem crescendo muito na medida em que ele compra não só título do tesouro como também dívida das empresas. Se um país do “terceiro mundo” se comportasse dessa maneira, os especialista de Washington estariam alertando para a existência de um iminente crise.

    Há um risco de até mesmo a mode americana perder a confiança do mundo. Afirmações tresloucadas de destacados políticos americanos de que os EUA deveriam dar um “default” nos títulos da dívida comprados pela China, como punição pela covid-19, certamente não ajudam. 

    Mas os EUA são ajudados pelo fato de que todas as alternativas ao dólar parecem ainda piores. A pandemia aumentou os temores de uma nova crise do euro. E a China ainda usa controles cambiais, temendo a demanda reprimida dos poupadores chineses para mandar dinheiro para fora do país. Outra alternativas apresentadas ao dólar – ouro, bitcoin – têm grandes desvantagens.

    A frase escrita nas cédulas do dólar “In God we Trust”(em Deus confiamos). O apetite do mundo por dólares envia de volta a mensagem implícita “In America we Trust” (NA América confiamos). Se essa confiança sobreviver ao coronavírus, o mesmo acontecerá com a supremacia americana.

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    A pandemia começa a matar pobres e negros

    Por Moisés Mendes

    O novo dado perverso da pandemia é o que mostra que negros e pardos morrem mais do que os brancos quando infectados pelo coronavírus. É apavorante se os dados indicarem que os negros e pardos têm alguma vulnerabilidade orgânica específica em relação ao vírus, que os brancos não teriam, o que dependeria de comprovação.

    É mais assustador se for confirmada outra suspeita: negros e pardos, ou seja, os mais pobres, podem estar morrendo de novo mais do que os brancos porque o suporte de saúde oferecido a eles, na urgência da pandemia, é pior do que o oferecido aos brancos.

    Esses são os números. Negros e pardos são minoria entre os afetados pela doença. Eles, estatisticamente, são quase 1 em cada 4 dos brasileiros hospitalizados (23,1%). Mas são 1 em cada 3 entre os mortos pelo coronavírus (32,8%).

    Já os brancos são 73,9% entre os hospitalizados e 64,5% entre os mortos. O resumo é este: negros e pardos adoeceram menos até agora, mas morrem mais.

    Parece óbvio, porque sempre foi assim e se repetirá agora. Mas a realidade será agravada se outro dado for acrescentado a esta constatação da mortalidade de negros e pardos, feita por Denize Ornelas, diretora da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade.

    O dado a ser acrescentado é o que ainda está por vir: a mortalidade entre favelados no pico do surto. A peste espalhou-se dos grandes centros, a partir de ricos e da classe média que retornou de viagens, e se reproduziu internamente nas capitais.

    Agora, ao mesmo tempo em que chega às cidades do interior, começa a contagiar moradores das periferias e dos morros. Os brancos contagiaram os negros.

    Também há indícios de que os registros dos pobres mortos sejam mais precários, o que pode aumentar o índice de casos fatais.

    É fácil imaginar o cenário que o Brasil terá pela frente a partir da semana que vem. A pandemia pode, segundo os infectologistas, avançar com mais lentidão nos centros de classe média e passar a infectar e matar os pobres num ritmo ainda não registrado.

    Tudo o que a direita queria, que era o avanço avassalador da peste, sem controles, sem isolamentos, será cumprido agora com o contágio em áreas pobres e miseráveis, com habitações precárias, alta densidade populacional, ou seja, casas e casebres compartilhados por várias pessoas.

    No pior momento da pandemia, os brancos da classe média com planos de saúde terão a rede privada de hospitais, e negros e pardos disputarão UTIs e respiradores mecânicos do SUS.

    Não esperem que os seguidores de Bolsonaro se comovam. O começo do fim do isolamento, que já acontece em vários Estados, para que o comércio e as igrejas se apropriem de parte dos R$ 600 do auxílio de emergência, coincide com o momento em que a doença chega aos pobres.

    Keynes e a OMS Têm Razão: Crítica ao Falso Dilema.

    *Marcellus Ribeiro Alves

    A crise do coronavírus atingiu o Brasil numa situação econômica já bastante debilitada. Recordemos que em 2019, conforme o IBGE, o PIB brasileiro cresceu apenas 1,1%. A Pandemia, portanto, apenas agudizará uma situação que já era ruim.

    Soma-se a isso uma desvalorização brutal do real frente ao dólar, uma natural retração do comércio internacional e uma mega redução do preço do barril de petróleo (que abalarão as finanças dos entes subnacionais).

    Para completar o prato indigesto, a absoluta incapacidade do Presidente da República em conduzir ações de enfrentamento da crise de saúde e econômica, impondo a todos um falso debate, sempre centrado na dicotomia Proteção à Saúde ou Proteção à Economia. Assim, para ele, se optarmos pelo isolamento social, teremos uma crise econômica que, igualmente, ceifaria vidas.

    O debate é mentiroso e só interessa àqueles que possuem os instrumentos de política macroeconômica (moeda, juros, endividamento e câmbio) e não os adotam. Nenhuma das medidas a seguir propostas significa abdicar das ações de combate à propagação do vírus.

    Vejo, absolutamente incrédulo, propostas de enfrentamento da situação surgindo de tristes e carcomidos manuais de economia, abandonados até por seus autores.

    Em regra, as sugestões – sob argumento de equilíbrio fiscal- reduzem ainda mais o gasto do governo federal e serão bastante eficientes para gerar um nefasto e impiedoso efeito cíclico, aumentando a recessão que se avizinha.

    Não nos esqueçamos que vivemos épocas de guerra e que a teoria econômica de manuais em nada se aplica. Equilíbrio fiscal é importante, mas, neste tempo extraordinário, diminuir o gasto público significa dolosamente matar parte da população de fome (pois reduz a renda agregada, a demanda, o consumo e o investimento e a oportunidade de emprego) ou à míngua, sem assistência do Estado, privando-os de serviços públicos essenciais.

    Lord Keynes ensinou ao mundo como superar a crise de 1929: “O Estado devia contratar trabalhadores para enterrar garrafas de dia e desenterrar à noite”. O Governo Federal deve, portanto, aumentar o gasto público e não o reduzir, para minimizar os efeitos da retração econômica.

    Uma boa linha de ação foi adotada pela Grã-Bretanha, cujo Estado suporta 80% dos salários dos trabalhadores, com o propósito de evitar demissões.

    Até Trump já abandonou a cartilha e anunciou um pacote inédito de 2 trilhões de dólares (13 % do PIB) para combater o coronavírus e seus efeitos econômicos.  Na Grã Bretanha e Espanha, a expansão do gasto público é da ordem de 17% do PIB; Na Alemanha, de aproximadamente 20% do seu PIB. No Brasil, não passa de 2% e se pensa em reduzir ainda mais…

    Diz a convencional Teoria Quantitativa da Moeda que emiti-la sem lastro leva à inflação. Ainda que fosse realmente válida, ela não funcionaria em situação de guerra, como a que ora enfrentamos. O isolamento das pessoas tem forte efeito sobre a redução da demanda. Aliado a isso, produz, à reboque, uma diminuição na velocidade de circulação da moeda, uma vez que, em razão das incertezas futuras, as pessoas preferem entesourar, guardar seu dinheiro a gastá-lo. É intuitivo o que se afirma: basta olhar o que acontece com o nosso comércio hoje.

    Assim, é possível e recomendável ao Governo Federal emitir moeda, sem que isso gere inflação de demanda, pois a procura é quase inexistente e as pessoas estão tendentes a poupar seus recursos.

    Neste cenário, as medidas recentemente adotadas pelo Banco Central (como a redução da alíquota do compulsório para bancos de 31% para 25%) são importantes, mas insuficientes para enfrentar uma crise desta dimensão.

    Além de emissão de moeda, também é possível reduzir ainda mais a taxa de juros, até o limite percentual da elevação do PIB, sem que isso gere inflação. Como temos um quadro de recessão, é possível chegar com a taxa de juros próximo a zero, a exemplo da medida adotada pelo FED (Banco Central americano).

    Deste modo a redução da taxa de juros teria um efeito positivo sobre as contas do governo (reduzindo o valor dos serviços da dívida) e incentivaria o crédito, o investimento, o consumo, ampliando a demanda agregada e aquecendo a economia.

    O efeito destas medidas seria ainda maior se viesse acompanhado de facilidades para a ampliação da dívida privada (acesso ao crédito), ainda que por meio da elevação da dívida pública, como fez recentemente a Alemanha. Isso possibilitaria o ingresso de dinheiro novo na economia, que poderia ser destinado a trabalhadores desempregados e para micro e pequenas empresas, salvando-as da falência, de quebrarem.

    Em termos agregados, a elevação da dívida pública levaria a uma ampliação da demanda, do investimento e, por consequência, da própria renda, sem que isso significasse renunciar ao isolamento horizontal (ou seja, manter em quarentena todas as pessoas, exceto os profissionais dos serviços essenciais) até aqui o procedimento mais eficiente para combater a propagação do vírus. Em uma situação como a que estamos vivendo, de grave retração econômica, são mínimos os riscos de que um aumento na oferta de crédito possa causar inflação.

    Nem mesmo quem devotadamente crê nos manuais de Chicago acredita que isto traria inflação. Evidente também que “o mercado” não veria com desconfiança estas medidas, pois sabe que é a única forma de salvá-lo. É por isso, igualmente, que economistas ortodoxos liberais defendem sem cerimônias algumas destas ideias.    

    Medidas de proteção à economia e de combate à pandemia não são opções mutuamente excludentes, mas sistemicamente complementares e que, portanto, não devem ser analisados de forma estanque, com desprezo à ciência e com o uso de vocabulário escatológico.

    Até este momento – como apropriadamente comparou o Presidente da França -, estamos numa guerra em que o Capitão, por medo, negligência ou ignorância, não quer lutar. 

    Felizes as nações que têm, neste momento, um líder sereno e combativo.

    *Marcellus Ribeiro Alves é Bacharel em Economia e Direito. Especialista em Direito Tributário. Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil e atualmente Secretário de Estado da Fazenda do Maranhão.

    CARTA AOS MARANHENSES – por Carlos Lula

    Carlos Lula é secretário de Saúde do Maranhão

    Os tempos fáceis são sempre os de outrora, acordei pensando nisso enquanto me arrumava para ir ao trabalho. A rotina de sempre, saio cedo e volto tarde. Só que dessa vez eu não volto ao final do dia. Me despedi de João, de Juliana, Ana Júlia e de Bidu. É o mais seguro para todos neste momento. Estamos mergulhados nisso e nossos cálculos pelos próximos meses deixarão de ser individuais, cada um de nós tem que pensar no impacto de suas ações para a coletividade.

    Nem a despedida mais dolorosa da minha vida, que foi o adeus ao meu pai, se compara a isto. Lembro que ele não queria ir ao hospital, tive de levá-lo mesmo assim. Nas semanas seguintes tive que deixar meu pai ir embora, não pude trazê-lo de volta para casa. Hoje vejo meu filho, que ainda é pequeno demais para entender a gravidade das coisas, se despedindo de mim e me vi no lugar de meu pai. Mas eu volto, João. Eu volto porque estou cercado de pessoas comprometidas, pessoas incríveis, assim como as que estão em casa em isolamento, respeitando as determinações do Governo do Estado. E essas pessoas comprometidas me dão forças para seguir adiante nesta batalha e me dão esperança de que poderei voltar para a minha família quando vencermos. Sorriremos juntos, nos abraçaremos e vai ficar tudo bem.

    Preciso que vocês se cuidem, cuidem uns dos outros, cuidem daqueles que vocês não estão vendo. Conversem, sorriam, não desanimem. Estamos aqui do lado de fora com o coração partido, mas de cabeça erguida. Sei que vocês fariam o mesmo por mim. A hora é de prudência. Não existe heroísmo, não existe solução mágica. Não consigo fazer absolutamente nada sozinho, preciso ter a certeza de que vocês estão seguros em casa. O único caminho é enfrentar a pandemia com responsabilidade, seriedade, o apoio da ciência e a força dos trabalhadores da saúde do Maranhão.

    Consigo enxergar no olho de cada servidor nosso uma força de vontade inesgotável, uma disposição para a batalha que corre no nosso sangue desde os tempos mais remotos. Desde a invenção do Maranhão lá atrás, desde a Batalha de Guaxenduba em que expulsamos quem não era bem-vindo. Faremos a mesma coisa agora. A prontidão em defender o que é nosso, de não entregar nossas vidas e o que construímos com tanto suor para um inimigo que não tem rosto, que não tem propósito, que não tem misericórdia. Eu confio nas pessoas que estão no front dessa guerra porque o povo maranhense é prova todos os dias do que Gonçalves Dias disse na Canção dos Tamoios: “Não chores, meu filho; Não chores que a vida é luta renhida: Viver é lutar”.

    Guardamos as nossas fronteiras, treinamos as nossas equipes, preparamos nosso time para o maior desafio dessa geração e seremos lembrados por essas decisões. Não subestimamos em momento algum o tamanho disto, e resistimos. O maranhense já me ensinou muito ao longo de todo esse tempo. A disposição da nossa gente é estrondosa. A linha de frente desta batalha se compõe de homens e mulheres com uma força descomunal.

    Precisamos nos apegar às convicções mais profundas que temos e acertar o curso da nossa vida em direção a um novo período, transitório, mas importantíssimo. Absolutamente tudo o que fizermos daqui em diante vai impactar a coletividade.

    Enfrentar o que for preciso para cuidar de cada um que confia na nossa capacidade de encarar essa pandemia com seriedade e respeito. É o que posso garantir a vocês nesse momento de sacrifício. Eu me despedi da minha família com a certeza de que essa é a melhor decisão para que eu possa cuidar dela e de todos os meus irmãos maranhenses que confiam no meu trabalho e de minha equipe. Fiquemos longe por enquanto, mas eu prometo que abraçarei cada um de vocês quando isso terminar.

    A ‘nova’ ABI e a democracia

    Paulo Jeronimo de Sousa

    Sede da ABI no Rio de Janeiro

    A eleição de Jair Bolsonaro abriu um período no qual a democracia passou a correr perigo. Não há, na afirmação, um exagero. Ela se sustenta em atos e declarações do presidente ao longo de sua vida pública. São notórias as demonstrações de apreço de Bolsonaro à ditadura militar.

    Esse pano de fundo levou um conjunto de jornalistas a se organizar, no começo de 2019, para trazer de volta ao cenário a Associação Brasileira de Imprensa, a velha ABI. Criada há 111 anos e protagonista nas mais importantes lutas do povo brasileiro, a entidade estava abandonada à própria sorte e alheia à realidade nacional. Mas, no governo Bolsonaro, passou a ser tarefa urgente trazê-la de volta às lutas em defesa da democracia, do Estado de Direito e da liberdade de imprensa.

    A nova diretoria encontrou a entidade às traças. O CNPJ estava suspenso, e as contas bancárias, bloqueadas. Aos poucos, a casa vai sendo arrumada. E, embora o título deste artigo fale em “nova” ABI, o que nos inspira é o retorno à “velha” ABI.

    Nesses poucos meses transcorridos desde a nossa posse, ela já retomou seu papel na defesa da democracia, do Estado de Direito e da liberdade de imprensa. Já no fim de julho de 2019, realizamos um gigantesco ato em defesa do jornalista Glenn Greenwald, ameaçado de expulsão do país por um decreto de Bolsonaro e de seu ministro Sergio Moro (Justiça). Acorreram ao evento mais de 4.000 pessoas. O auditório da ABI, um dos maiores do Rio, mostrou-se pequeno ante tanta gente. Foi necessário instalar telões na rua para transmitir o ato. Nunca na história da centenária ABI tinham acorrido tantas pessoas a um evento.

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    Ato de apoio ao jornalista Glenn Greenwald na ABI (Associação Brasileira de Imprensa), no Rio de Janeiro – Lucas Rezende – 30.jul.19/Futura Press/Folhapress

    Mais recentemente, em 12 de dezembro, ao lado de outras entidades, organizamos um ato em defesa da Petrobras, sob risco de privatização. Desenvolvemos também a campanha “Toda vida importa muito”, de combate à criminosa “política de segurança” do governador Wilson Witzel (PSC), a qual levou a polícia do Rio, de janeiro a agosto, a matar em média mais de cinco pessoas por dia —pobres e residentes em comunidades carentes ou favelas.

    Quando Bolsonaro ordenou que os órgãos do governo federal cancelassem as assinaturas desta Folha, a ABI imediatamente ingressou na Justiça com uma ação popular contra o ato, denunciando-o como um atentado contra o princípio constitucional da liberdade de imprensa. No dia seguinte, Bolsonaro recuou e cancelou a ordem.

    Quando o prefeito Marcelo Crivella (PRB) proibiu, recentemente, a presença das equipes jornalísticas do Grupo Globo em entrevistas coletivas da Prefeitura do Rio de Janeiro, prontamente emitimos nota oficial denunciando o ato como outra agressão à liberdade de imprensa.

    Enfim, esta não é a “nova” ABI, mas a volta da velha ABI, aquela de Barbosa Lima Sobrinho, que sempre esteve à frente das melhores causas ao longo de nossa história.

    Paulo Jeronimo de Sousa

    Jornalista, é presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

    A São Luís do futuro

    Por: Rubens Pereira Jr

    Para nós, a São Luís do futuro precisa avançar em quatro eixos: Primeira Infância, Combate à Pobreza, Desenvolvimento Urbano Sustentável e Inovação Tecnológica. E isso só será possível se houver uma grande mobilização de todos os atores da sociedade neste sentido. Queremos então, a partir do movimento “Diálogos Por São Luís”, criar esse ambiente de construção conjunta rumo à uma capital melhor para todos.

    Não é possível falar de futuro sem cuidar das nossas crianças, especialmente aquelas entre zero e seis anos, com atenção para creches e das mães trabalhadoras. O combate à pobreza também precisa estar na ordem do dia. Enfrentamos esse problema com assistência social, mas também com incentivo aos micro e pequenos empresários, gerando emprego e renda.

    Desenvolvimento urbano sustentável também precisa estar entre os principais temas para que alcancemos uma São Luís melhor. Queremos uma cidade mais inteligente, mais sustentável, com equipamentos públicos adequados, com transporte eficiente.

    Tratar como prioridade a inovação vai contribuir diretamente para que avancemos para o futuro. E este tema está em todas as áreas estruturantes de qualquer cidade, como é o caso da saúde. A modernização dos processos, por exemplo, poderá nos levar a resultados mais expressivos em um setor tão importante para a população.

    A exemplo do que vemos no Maranhão, com a gestão do governador Flávio Dino, e também no Brasil, quando Lula foi presidente, é necessário ser eficiente e, ao mesmo tempo, cuidar das pessoas. Para uma São Luís do futuro, é preciso olhar para quem mais precisa, com políticas inclusivas, que garantam justiça social.

    A pré-campanha não é o momento de discutir nomes, mas sim ideias e projetos. O movimento Diálogos por São Luís começará em janeiro. Acreditamos que uma gestão de resultados só é alcançada quando tem jeito e cheiro de gente. Do jeito que sempre deu certo no nosso campo político, com o governador Flávio Dino e com o prefeito Edivaldo Holanda Júnior, entendemos que a discussão do Plano de Governo é essencial.

    A patifaria intelectual de Olavo de Carvalho

    O filósofo e guru Olavo de Carvalho

    Dialética erística é uma obra na qual Schopenhauer expõe 38 estratagemas – subterfúgios ou artimanhas – usados inescrupulosamente para vencer um debate. Segundo Dionisio Garzón, a obra só saiu à luz quatro anos após a morte do filósofo alemão. Embora “dialética” seja um termo notadamente polissêmico, quando associado à erística – lembrando de Éris, a deusa grega da discórdia – trata-se de uma arte do combate verbal ou uma técnica de conseguir fazer com que um determinado público nos dê razão em uma discussão, ainda que não a tenhamos de fato. Além de descrever tais estratagemas, Schopenhauer também apresenta “meios de se defender contra eles, como uma arte de parar golpes nessa esgrima” (Parerga e Paraliponema II, 2, apud. Garzón, p. 10). Mesmo que o título original seja Dialética erística – em alemão, Eristische Dialektik –, a obra recebeu alcunhas diversas, mais ou menos apelativas, como uma edição francesa L’art d’avoir toujours raison (A arte de ter sempre razão).

    Nos últimos meses, surpreso com o destaque que OdC ganhou no cenário nacional, decidi revisitar seu trabalho e avaliar o agora “guru do presidente”. Publicado pela editora Topbooks em 2003, o livro Como vencer um debate sem precisar ter razão é composto de uma tradução da Dialética erística – assinada por OdC e Daniela Caldas – e uma introdução e comentários de OdC. Repletas de referências a obras insignificantes como O imbecil coletivo, as páginas escritas por meu compatriota deixam a desejar em vários quesitos: OdC e o diagramador, por exemplo, não sabem escrever palavras em grego, mas acharam bonito tentar. Mais espantosa, ainda, é a versão brasileira do texto de Schopenhauer: uma adaptação ipsis litteris de quase toda a tradução espanhola de Dionisio Garzón (EDAF, 1996). Em casos especiais, vale ressaltar, OdC opera pequenas alterações e, por vezes, introduz erros inéditos.

    Dois exemplos:

    No estratagema 30, onde Garzón traduz:

    “De hecho, no existe ninguna opinión, por absurda que sea, que los hombres no se lancen a hacerla propia apenas se ha llegado a convencerles que tal opinión es universalmente aceptada” (p. 40),

    OdC verte:

    “De fato, não existe nenhuma opinião, por absurda que seja, que os homens não se lancem a torná-la sua, tão logo se tenha chegado a convencê-los de que é universalmente aceita” (p. 167).

    Para efeito de comparação, Milton Camargo Mota (Editora Vozes, 2017, edição digital) traduz a mesma passagem assim:

    “Não há uma só opinião, por absurda que seja, que as pessoas não tornem sua com facilidade, tão logo tenham sido convencidas de que ela é geralmente aceita.”

    Já Alexandre Pires Vieira (Montecristo editora, 2018, edição digital) a verteu como:

    “Não há opinião, por mais absurda que seja, que os homens não aceitarão prontamente assim que puderem ser levados à convicção de que ela é geralmente adotada.”

    No estratagema 9, vemos na tradução de Dionisio Garzón:

    “Hacer las preguntas, en un orden distinto del que exige la conclusión que de ellas se pretende, con cambios de todo género” (p. 40).

    Na de OdC:

    “Fazer as perguntas numa ordem distinta da exigida pela conclusão que dela pretendemos, com mudanças de todo gênero” (p. 141).

    Mota:

    “Não fazer as perguntas na ordem exigida pela conclusão a ser extraída delas, mas com todos os tipos de deslocamentos.”

    E Vieira:

    “As perguntas não são feitas na ordem que a inferência a extrair delas requer, mas em todos os tipos de transposições.”

    Repare que Schopenhauer fala de uma conclusão extraída de perguntas, no plural. Por isso, o correto seria “delas” – como fazem Garzón, Mota e Vieira. Jactando-se fazer um “esforço de compreensão propriamente filosófica”, “graças a Deus, porque não sou filólogo” (p. 24), OdC claudica até na concordância.

    Em relação à edição espanhola – publicada antes, que se destaque –, o restante da tradução de OdC parece seguir os mesmos procedimentos: inverte-se aqui e ali uma ordem de predicados, troca-se “razão” por “fundamento”, esquece-se de um destaque em itálico, mas o texto nunca se descola substancialmente da versão de Garzón. Da comparação dos dois textos – e de sua discrepância com outras traduções – a autenticidade do trabalho do inverossímil “guru” é no mínimo eclipsada.

    É certo que existem casos célebres de traduções indiretas. Nos anos 1940, assumidamente, Rachel de Queiroz traduziu duas obras de Dostoiévski a partir de edições francesas. Na coleção Os Pensadores, o volume de Aristóteles que contém a Ética a Nicômaco estampa nitidamente em seu frontispício: “Tradução de Leonel Vallandro e Gerd Bornheim da versão inglesa de W. D. Ross”. É o que se deve fazer quando se produz uma tradução indireta – além de, é claro, pedir a autorização do(s) detentor(es) dos direitos da obra.

    Pois os incisos i e xi do artigo 7º da Lei de Direitos Autorais (LDA) estabelecem que são obras intelectuais protegidas pela lei: “i – os textos de obras literárias, artísticas ou científicas”; e “xi – as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova”. Como Schopenhauer (1788-1860) morreu há mais de 150 anos, suas obras são de domínio público (LDA, art. 41). Suas traduções recentes, não. O artigo 29 da mesma LDA determina que “depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades”, tal como “iv – a tradução para qualquer idioma”. A citação de algumas passagens – como fiz acima – não constitui uma ofensa à LDA, já que são apenas recortes e “o nome do autor e a origem da obra” são indicados (art. 46). Porém, quando se trata da reprodução integral de uma obra, a lei é categórica:

    Art. 33. Ninguém pode reproduzir obra que não pertença ao domínio público, a pretexto de anotá-la, comentá-la ou melhorá-la, sem permissão do autor.

    Parágrafo único. Os comentários ou anotações poderão ser publicados separadamente.

    É curioso que – en passant – OdC assume que sua “Introdução Comentários nasceram de simples notas de leitura à margem da tradução espanhola de Dionísio Garzón; depois os conferi com o original, com a ajuda de minha querida amiga Daniela Spínola P. Caldas, professora de língua alemã” (p. 26). Fica claro, então, que a inspiração de OdC foi o trabalho de Garzón. Mas por que ele pediria ajuda a alguém que conhece o idioma alemão para revisar sua introdução e comentários (“os conferi com o original”) que foram escritos em português? Por que, em nenhum momento, a fonte da tradução é indicada de maneira explícita? Garzón, de sua parte, deixa claro (p. 13) que se baseou na edição de Hübscher. OdC nem mesmo menciona a obra original na ficha catalográfica.

    Conjecturas à parte, ocorreu-me a possibilidade de que, para fazer sua tradução extremamente similar à de Garzón, OdC tenha pedido autorização à editora madrilenha EDAF. Liguei para lá, então, e, depois de conversar com algumas pessoas, recebi a seguinte mensagem: “lhe confirmo que nossa edição de El arte de tener razón foi traduzida diretamente do alemão por Dionisio Garzón, em virtude de um contrato que data de 6 de fevereiro de 1996. Em dito contrato, o Sr. Garzón se encarregava também da realização de um prólogo e um estudo da obra. Tanto a cessão da tradução, quanto do prólogo e do estudo são de caráter exclusivo. Revisando nossos arquivos, não nos consta de nossa parte que se tenha cedido nenhum dos três a alguma pessoa ou entidade no Brasil”.

    Posteriormente galhardeado com a Ordem de Rio Branco, OdC fala algo sobre “patifaria intelectual” (p. 23). Para que o leitor tire suas próprias conclusões, apresento mais uma passagem comentada de ambas as traduções, seguida das duas implacáveis comparações. Do estratagema 32, Garzón traduz:

    “Un modo rápido de eliminar o, al menos, hacer sospechosa una afirmación del adversario contraria a nosotros es reducirla a una categoría generalmente detestada, aunque la relación sea tan sólo de vaga semejanza y poco rigurosa. Por ejemplo, esto es maniqueísmo, esto es arrianismo, esto es pelagianismo, esto es idealismo, esto es espinosismo, esto es panteísmo, esto es brownianismo, esto es naturalismo, esto es ateísmo, esto es racionalismo, esto es espiritualismo, esto es misticismo, etc.” (p. 60)

    OdC:

    “Um modo rápido de eliminar ou, ao menos, de tornar suspeita uma afirmação do adversário é reduzi-la a uma categoria geralmente detestada, ainda que a relação seja pouco rigorosa e tão só de vaga semelhança. Por exemplo: ‘Isso é maniqueísmo’, ‘É arrianismo’ [sic], ‘É pelagianismo’, ‘É idealismo’, ‘É panteísmo’, ‘É brownianismo’, ‘É naturalismo’, ‘É ateísmo’, ‘É racionalismo’, ‘É espiritualismo’, ‘É misticismo’, etc.” (p. 174)

    Mota:

    “Uma maneira rápida de eliminar ou ao menos tornar suspeita uma afirmação do adversário que nos seja contrária é a de colocá-la sob uma categoria odiada, ainda que tenha apenas uma semelhança com esta ou uma vaga relação – por exemplo, ‘isso é maniqueísmo; é arianismo; […] o; é espinozismo; […] é misticismo etc.’”

    E Vieira:

    “Se você é confrontado com uma afirmação, há um modo curto de se livrar dela, ou, pelo menos, de lançar suspeitas sobre ela, colocando-a em alguma categoria odiosa; mesmo que a conexão seja apenas aparente, ou sutil. Você pode dizer, por exemplo, ‘Isso é maniqueísmo’ ou ‘É arianismo’ […] ou ‘espinosismo’, ou […] ‘misticismo’ e assim por diante” (os destaques em negrito são meus).

    Três notas: (i) OdC defenestrou o “espinosismo” da lista de Schopenhauer; (ii) a tradução de OdC ignora a ocorrência de “entgegenstehende” (sigo a edição disponível aqui), traduzida para o espanhol como “contraria a nosotros”; “que nos seja contrária”, por Mota; e “confrontado com”, por Vieira; (iii) em português, “arianismo” – a doutrina de Ário, o padre alexandrino dos séculos iii e iv – se escreve com um único “r”, curiosamente, o mesmo ocorre em alemão: “Arianismus”, ao passo que, em espanhol, o próprio nome é diferente: “Arrio” (e, consequentemente, “arrianismo”.

    FELIZ NATAL PRA QUEM?

    Palácios dos Leões e La Ravardière (Foto: A. Baêta)

    Fernando Abreu

    Elitismo tem limite, mesmo quando travestido de legítima crítica a ações governamentais. O Natal organizado conjuntamente pelo governo do Estado e pela prefeitura de São Luís é uma festa impecável e popular que afirma valores perenes ligados a essa data, indispensáveis nos dias de barbárie crescente que vivemos.
    O que nos incomoda tanto? Ver centenas de famílias vindas de bairros como Anjo da Guarda, Vila Embratel, São Francisco, Liberdade, Camboa e tantos outros, descendo dos ônibus e se dirigindo à área da Praia Grande e à Praça Pedro II, sendo recebidos com dignidade para uma festa preparada especialmente para eles? Qual é o incômodo? Queremos um Natal só para nós, à nossa imagem e semelhança, do qual temos o controle absoluto?
    Sem ofensa, não posso deixar de me lembrar do incômodo até bem pouco tempo causado pela presença de pessoas mais humildes em espaços que julgávamos privativos de nosso estrato social privilegiado: supermercados, aeroportos, shopping centers, polos turísticos, restaurantes, etc?
    Ah, mas isso são os fascistas, eles é que fazem isso. Nós não, nós somos inclusivos, tolerantes e acolhedores, desde que nos nossos termos. Segundo nossos critérios estéticos, quem sabe. Quem sabe nosso desejo inconfesso seja simplesmente proibir essa manifestação espúria de colonialismo cultural e mercadológico. Mas as crianças adoram. Ora, são apenas crianças alienadas!!!
    Ah, lembrei de mais um detalhe: recente pesquisa sobre o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mostra que somos o segundo país mais desigual do mundo. Será que quando rejeitamos com tanta virulência uma festa, afinal de contas feita para o conjunto da população (incluindo, por óbvio os mais fragilizados socialmente) não estamos reforçando, no plano simbólico, a tragédia que se dá concretamente todos os dias nas vidas de milhões de brasileiros e maranhenses?
    Como se diz, fica a dica.
    Feliz Natal pra todo mundo!!!!!

  • Deu no D.O

    • A coluna Deu no D.O. está no ar com os generosos contratos dos nossos divinos gestores públicos. Dos caixões (R$ 214 mil) de Itapecuru-Mirim ao material de limpeza de Coroatá (R$ 2 milhões), ainda figuram Viana, Matões, Porto Rico e São José de Ribamar. 
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