Sandra,

Sandra veio do Piauí para estudar em São Luís. O Serviço Social foi sua opção imediata, na UFMA. Ali conheceu Irmã Lourdes, Josefa, Franci, Etelvina, minha mãe, e outras mestras que lhe iniciaram na carreira exitosa. Cedo abdicou da Academia em favor da luta social, arrastada pelo amor daquele que seria o seu eterno companheiro, Léo Costa.  Desde cedo, viu-se inclinada à luta dos camponeses pela terra, no Município de Barreirinhas, terra natal do Leo.
Ali chegando, conhece o Monsenhor Cambron, missionário canadense, já envolvido nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), reconhecidas a partir de Medellin, com forte apelo em Tutóia, Bequimão, Urbano Santos, São Benedito do Rio Preto, Itapecuru, Santa Rita, Lago da Pedra e Barreirinhas.  As CEBs faziam parte do movimento de renovação da Igreja, décadas de 50-60, nascidas da angústia de vê-la a serviço dois poderosos e do arbítrio. Para Cambron, que fez a opção pelos pobres da Teologia da Libertação, a sua pátria era o lugar onde moravam.


Mesmo numa sociedade sem tradição de construção de acervos, Cambron, Sandra e Léo escreveram a seu modo suas memórias de lutas, a partir das Visitas Pastorais que depois viraram Livro de Tombo, iniciativa surpreendente de Dom Fragoso, bispo auxiliar do Maranhão e, depois, bispo de Crateús, no Ceará.
Todo esse rico ensinamento do Monsenhor Cambron foi assimilado, perseguido e continuado pelo casal, Léo e Sandra, Sandra e Léo. Aqui começa a história revolucionária da guerreira que agora parte para outros mundos, deixando-nos sólido legado de lutas, dores e conquistas.

Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, também da década de 50, poema dramático com exaltação à tradição pastoril do retirante nordestino, cantado em verso e prosa por Chico Buarque, reforça, ao tempo em que é uma bandeira das esquerdas brasileiras, a visão política de Sandra, permeia sua vida, vida e morte, morte e vida.
“Esta cova em que estás, com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida

É de bom tamanho, nem largo, nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio
Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida
É uma cova grande pra teu pouco defunto
Mas estarás mais ancho que estavas no mundo
É uma cova grande pra teu defunto parco
Porém mais que no mundo, te sentirás largo
É uma cova grande pra tua carne pouca
Mas à terra dada não se abre a boca
É a conta menor que tiraste em vida
É a parte que te cabe deste latifúndio (É a terra que querias ver dividida)
Estarás mais ancho que estavas no mundo
Mas à terra dada não se abre a boca”
As lutas de Brizola, Darcy Ribeiro, Neiva Moreira e Jackson Lago, os reveses da Ditadura Militar, o Comitê da Anistia da Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos, a luta pelas Diretas Já ganham cedo o coração e a mente da Sandra, que integra o PDT e nele permanece até a morte.

Fez de sua casa no Monte Castelo um Forte da Resistência, ao lado do seu querido vizinho João Francisco. Não tinha movimento de massa do Partido que não terminasse na sua casa, fosse início ou fim de noite,  onde esperavam todos os militantes uma paçoca sem igual, ou uma camaroada, ou um arroz de Maria Izabel. Neiva e Jackson não se furtavam de repetir as pratadas. Falando nisso, a Sandra, de mãos divinas no preparo da comida, sempre nos falava em código quando lhe perguntávamos a receita de tão deliciosas comidas. Não entendíamos nada, e assim foi até o fim. Levou para Deus seu dote único de Cozinheira da Amizade.
As funções públicas lhe chegavam abundante às mãos sem que se esforçasse para isso. Assessorias, secretarias, vice-prefeitura de são luís, tudo lhe vinha fácil, tal a certeza que tinham os mandatários de que entregavam em mãos habilidosas tais funções. Honrou todas elas.
 Fez a transferência vitoriosa e sem traumas da população palafitada da Ilhinha para terra firme, primeiro governo municipal sob a batuta do Jackson Lago, talvez seu maior desafio político-administrativo, porque militante social de caminhadas em caminhadas de protestos contra as autoridades e governos, de repente se viu do outro lado da história, entronada em posição governamental de destaque, para coordenar a remoção de famílias de palafitados para terra firme. Nenhum abuso, nenhuma injustiça, saiu-se extraordinariamente bem, dado o seu pulso firme e sua vocação democrática.
 Sandra não foi nem será, simplesmente É, porque continua viva para nós, para seu marido, seus filhos, netos e para seus amigos, dos quais sou um deles, talvez o menor. Fui invadido de um sentimento de orfandade nesses dias. Maíra, Camila, Leozinho e Hermano fazem parte da minha vida, e como qualquer irmão compartilhamos derrotas e vitórias. Por Sandra fui tratado como filho, e ver meu pai se emocionar a cada lembrança e seus olhos marejarem é porque não é fácil se despedir de uma irmã.

Aziz Junior

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