
“A gente não tem sossego há 20 anos e nós temos nossos direitos. Tudo nós temos aqui, somos ricos de tudo, peixe, marisco, aqui tudo dá, é uma terra rica. Chega de nós sofrer, se eu sair daqui vou fazer o quê? Na cidade a gente não vai conseguir viver, não tem trabalho, só tem violência. Para essas agrovilas prometeram um monte de coisa, roça motorizada e escola de primeiro mundo. Não fizeram nada”, contou Seu Cipriano Dinis, 62 anos, quilombola e morador da comunidade Mamuna.
O trecho acima é parte do relatório da diligência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM) que esteve em Alcântara (MA) nos dias 04 e 05 de julho, em visita às comunidades quilombolas. O grupo foi formado pelos deputados Helder Salomão (PT/ES), Márcio Jerry (PCdoB/MA) e Bira do Pindaré (PSB/MA), e pelos procuradores Deborah Duprat, Procurado Federal dos Direitos do Cidadão e Hilton Araújo de Melo, do Ministério Público Federal do Maranhão. A iniciativa teve o apoio do Governo do Estado do Maranhão.
Por causa da implantação do acordo de salvaguardas tecnológicas, que permitirá o uso comercial do Centro de Lançamento de Alcântara pelos Estados Unidos, estas comunidades estão ameaçadas de serem remanejadas. O acordo prevê que os Estados Unidos possam lançar satélites e foguetes da base maranhense. Se houver a execução do acordo, 30 comunidades quilombolas podem ser afetadas.
São mais de 2.000 pessoas agrupadas em 791 famílias. Todos reivindicam os títulos de posse da terra, direito já reconhecido pelo próprio Incra através do Relatório Técnico Identificação e Delimitação (RTID), publicado em novembro de 2008.
“É inaceitável do ponto de vista dos direitos humanos”, o deslocamento de mais comunidades, além daquelas que já foram remanejadas, aponta o relatório. A propriedade definitiva dos remanescentes das comunidades quilombolas é um direito constitucional que determina que “cabe ao Estado emitir os títulos respectivos”.
O relatório será entregue à todas as instituições e grupos envolvidos na questão. O documento expõe o descumprimento de várias ações propostas pelo Ministério Público Federal no ano passado, antes do anúncio do acordo. A Justiça Federal do Maranhão negou pedido de liminar sobre garantias possessórias dos quilombolas a seus territórios. Sobre a decisão tramita no TRF-1ª Região agravo de Instrumento.
As principais violações de direitos apontadas pelo MPF foram o descumprimento, por parte do CLA e do Governo Federal, de procedimentos de consulta livre, prévia e informada, conforme preconizado pela Convenção 169 da OIT e ratificada pelo Estado brasileiro; paralisação do processo de titulação do Território, associada à morosidade e a falta de informação sobre o processo de regularização fundiária; ausência ou insuficiência de equipamentos públicos básicos (posto de saúde, hospitais, escolas, equipamentos de assistência social); ausência de políticas públicas específicas para a juventude, para garantir condições de permanência no Território e a ausência de transparência dos processos relativas à Base de Alcântara, principalmente em relação à proposta de expansão da área.
