Chico Maranhão: 77 anos – Foto: Márcio Vasconcelos
Eu sei que você fica preso no ar quando eu canto
Por Celso Borges

A primeira vez que ouvi uma canção de Lances de Agora foi pelo rádio, em 1979, num programa apresentado por César na Difusora AM, curiosamente também chamado Lances de Agora. O nome foi sugerido pelo produtor Lessa, amigo de César, que adorava Chico Maranhão e o considerava um dos maiores compositores brasileiros.
Foi nesse programa que escutei, ainda, deslumbrado, a voz de Fagner cantando Flor da Paisagem e Motivo, além de Milton Nascimento e Beto Guedes interpretando Fé cega, faca amolada. E também Genesis (I know what i like), Pink Floyd (Time) e Led Zepellin (Stairway to heaven).
Não conhecia a maioria dessas músicas e nunca as tinha ouvido tocar em rádio alguma. No máximo, em LPs antigos, que comprava ou pegava emprestado de Henrique Bóis, velho amigo da turma de engenharia civil. Foi César , com sua juventude e um jeito pessoal de comunicar, que abriu algumas janelas do meu ouvido e de minha alma para o que tava acontecendo de diferente na música popular brasileira e no rock and roll.
No final dos anos 1970, eu ainda morava no centro da cidade, rua da Paz, 350, onde nasci em maio de 1959, em frente à igreja de São João, e tinha acabado de passar no vestibular de Comunicação Social na UFMA, depois de dois anos cursando engenharia civil na antiga FESMA. Saía definitivamente da barra da saia da mãe e descobria um mundo novo de música e literatura, além de participar de política estudantil.
Na biblioteca de casa, A Ilha, de Fernando Morais, Poema Sujo, de Gullar, Canto Geral, de Neruda, Cleo e Daniel, de Freire, Damian, Sidarta e Lobo da Estepe, de Herman Hesse, Erva do Diabo, de Carlos Castañeda, entre outros livros que colocaram definitivamente a poesia e a prosa no meu colo, como uma bomba que explodia na alma juntamente com o amor e o desejo.
Foi nesse redemoinho luminoso, no meio de manhãs, tardes e noites perdidas naquele tempo, quando sentia febre ao beijar a boca de Rose e Débora, que ouvi Chico Maranhão cantando as primeiras notas e versos de Meu Samba Choro, faixa de abertura do LP Lances de Agora:
Vai meu samba choro/Vai dizer pra essa menina /Que devolva o meu tesouro
No seu peito de menina /Hoje ela zomba provocando desafio/Não quer saber se eu passo fome ou passo frio/Seu abandono me deixou triste e vazio/Vou lhe contar/Eu vou lhe contar…
O jeito como Chico entoava as palavras, som e sotaque, traziam uma cidade que já me pertencia, mas que ele me ensinava a perceber de outra forma. Eu podia ouvi-la e senti-la em permanente diálogo com os versos de Gullar (Poema Sujo), de José Chagas (Os Canhões do Silêncio) e de Bandeira Tribuzi (Breve Memorial de um Longo Tempo), escritores que começava a ler naquele mesmo momento e cujos versos tinham São Luís como motor. Eram mundos diversos que se atravessavam como linguagem e poesia, me mostrando uma outra cidade, a aldeia onde nasci. Nunca mais fui o mesmo.
*O texto faz parte do livro LEMBRANÇAS, LENÇOS, LANCES DE AGORA – memórias e sons da cidade na voz de Chico Maranhão, que o poeta Celso Borges pretende lançar até o final do ano.
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Ouça Lances de Agora, se emocione e entenda porque Celso Borges nunca mais foi o mesmo ao ouvi-lo pela premira vez no final dos anos 70

Respostas de 2
Belo texto. Justa homenagem. Tive o privilégio de um curto período de convivência com esse compositor maravilhoso. Abraço para Garrone e Celso Borges, ambos queridos por mim, desde que os conheci quando fui morar na Ilha, em 1985.
Foi grande a satisfação do seu sinal de vida, após mais de 30 anos.
Abraços