
Transformar a histórica sede de “O Imparcial” em um museu do azulejo é silenciar as paredes que viram a ascensão do Vitorinismo, do Sarneísmo e a própria construção da democracia no Maranhão.
Raimundo Garrone *
Há um equívoco silencioso rondando o Centro Histórico de São Luís. O projeto de converter o Palacete da Rua Formosa (Rua Afonso Pena, nº 46) em um Museu do Azulejo pode parecer, à primeira vista, uma homenagem estética à cidade. Contudo, sob uma análise histórica e política mais rigorosa, tal movimento soa como uma negação da própria alma do edifício.
Transformar a antiga trincheira dos Diários Associados em um repositório de cerâmica é ignorar o cheiro de chumbo, a tinta e a adrenalina que permearam aquele espaço por quase cinco décadas. É perder a chance de instituir um Museu da Imprensa vivo, capaz de atuar como fiador da democracia e guardião dos fatos desinfetados da narrativa delirante.
O Palco das Decisões Políticas
Erguido por volta de 1829 em estilo pombalino — o que explica sua fachada sóbria, de alvenaria lisa, ironicamente desprovida dos azulejos que agora querem lhe impor —, o prédio já foi o Hotel Central e até sede do Tribunal de Justiça. Mas foi a partir de 1944, quando Assis Chateaubriand instalou ali as máquinas de O Imparcial, que o sobrado ganhou protagonismo histórico.
Não se trata de vangloriar a figura folclórica de Chateaubriand, mas de reconhecer o espaço. Durante décadas, aquele endereço não serviu apenas para imprimir notícias; foi o “QG” onde a política do Maranhão foi debatida, datilografada e definida. As grandes manobras do Vitorinismo e a posterior ascensão do grupo Sarney ecoaram naquelas salas muito antes de chegarem às urnas.
Para entender as disputas entre as oligarquias locais ou as crises que moldaram o estado, não basta olhar os resultados eleitorais nos livros de história. É preciso ler os editoriais, ver as charges e sentir a “temperatura” das ruas preservada nas páginas dos jornais da época. O museu preservaria esse “rascunho da história”.
Um Antídoto contra a Desinformação
A relevância de um Museu da Imprensa transcende a nostalgia. Em plena era da pós-verdade e das Fake News, tal instituição cumpre uma função social urgente: a Media Literacy (Educação Midiática).
Um museu moderno neste local não serviria apenas para guardar linotipos velhos. Ele ensinaria ao visitante como a notícia é apurada, a diferença abismal entre um boato de WhatsApp e uma reportagem investigativa, e o custo — muitas vezes físico e político — da liberdade de expressão. Em um estado com histórico político intenso como o Maranhão, preservar a memória da imprensa é preservar a memória da vigilância cívica.
O Potencial Turístico: Experiência vs. Depósito
Do ponto de vista turístico, a distinção técnica é clara. Enquanto um Museu do Azulejo corre o risco de ser apenas um espaço contemplativo estático, um Museu da Imprensa bem estruturado oferece narrativa.
O turismo moderno busca experiência. O visitante quer entender a “alma” do lugar. Ao entrar no prédio da Rua Formosa, ele não deveria ver apenas peças expostas, mas entender como a sociedade maranhense formou suas opiniões ao longo do século XX. Sem isso, tornamo-nos “amnésicos” políticos, condenados a admirar a beleza das fachadas sem compreender o conteúdo que elas abrigaram.
