
Limitar a atuação da senadora Eliziane Gama na sessão de abertura da CPI da Covid a uma ‘discussão por questão de gênero com o senador Flávio Bolsonaro, é minimizar a justa indignação da senadora a uma abordagem machista do fato.
De antemão não houve discussão, bate-boca ou qualquer situação parecida. Tampouco a reação de Eliziane se deu em função de mais uma frase preconceituosa, dentre tantas, proferidas pelo parlamentar.
A bem da verdade, ela reagiu ao machocaratismo do filho do presidente. Flávio Bolsonaro, àquela altura da sessão, utilizou a velha artimanha para desviar a atenção do pronunciamento da senadora apontando a responsabilidade do governo do seu pai pela catástrofe sanitária, que já abateu 400 mil brasileiros.
Daí a sua malandragem carioca de vendedor de chocolate. Para evitar o debate sobre a omissão, a causa mortis e o medo da CPI, ele agrediu as mulheres dizendo que elas não faziam questão de estar na CPI, pois “se conformam em acompanhar os trabalhos à distância”.
“Em primeiro lugar eu acho que as mulheres já foram mais respeitadas. Estão fora da CPI e não fazem nem questão de estar nela. Se conformam em acompanhar os trabalhos à distância”, vociferou.
Sabia que o machismo, igual ao racismo e a homofobia, iria fazer a mídia lamber os beiços.
Foi dito e certo. Os jornalões corporativos e, inesperadamente, até mesmo os sites progressistas, destacaram que Eliziane Gama rebateu as declarações agressivas do senador Bolsonaro contra a bancada feminina no Senado.
Um escreveu que ela advertiu sobre a declaração machista, outros que classificou de ironia machista. Todos, sem nenhuma exceção, ignoraram a firme e direta manifestação da senadora meia hora antes.
Brasil 247

O Globo

Revista Fórum

Estadão

Caíram na lambança de descontextualizar o que foi vociferado pelo tão nobre senador. Como se… assim do nada… por falta do que fazer, ele resolvera agredir as mulheres.
Sem meias palavras, Eliziane havia enfatizado o poder de polícia da comissão em requisitar documentos e até mesmo prender testemunhas que faltarem com a verdade. E que, eis aí o motivo, não seria à toa que o governo Bolsonaro estava com medo da CPI.
— Eu não tenho nenhuma dúvida, que essa comissão dará um norte, um clareamento, de onde partiu de fato essa omissão e o nível de responsabilidade que de fato o poder público tem em relação a essa omissão. E ao mesmo tempo, fica muito claro o temor do governo federal […] com as decisões que alguns aliados buscam na justiça […] se tenta criar, por exemplo, suspeição e impedimento que são instrumentos próprios do judiciário […]. Então, tenta-se criar um elemento para se postergar, para não se ter uma comissão que é muito importante para o Brasil.
Sem esquecer o combate ao machismo estrutural, a senadora fez questão de concluir seu pronunciamento avisando de que não iria se deixar abater pela tristeza advinda de uma CPI tão importante quanto aquela não ter uma titularidade feminina, apesar das conquistas no Senado.
— Mas quero e dizer que a gente pode até não ser membro, mas eu estarei aqui como mulher participando das comissões e dando a minha contribuição – disse, sob o aplauso do plenário.
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Mesmo considerando o recorte da narrativa, os jornais e sites, mesmo nesse contexto, utilizaram trechos que reforçassem o papel que entendem caber à mulher no exercício de um mandato parlamentar. Tudo gira em torno da questão feminina.
Ao ‘rebater’ a falta de interesse da mulher, dita por Flávio Bolsonaro, ela foi categórica:
— As mulheres têm se indignado em relação a essa inação do governo federal em relação à pandemia, o que nós queremos, independente de ser homem ou mulher, é trazer à tona a verdade – disse em alto e bom tom.
Só então, completa:
— Não vamos admitir ironia machista contra as mulheres […] Não usamos o argumento da autoridade. Usamos a autoridade do argumento. E é isso que vamos fazer aqui nessa CPI. Nenhum homem nem aqui e nem em lugar nenhum, enquanto houver mulheres presentes, a maioria da população brasileira, vai tentar cala a voz de uma mulher. Eu não admito isso, senador Flávio, questionar nossa indignação. Nós nos indignamos diante de todos os fatos que estão postos.
Levando-se em conta que a maioria da população por falta tempo, paciência, saco não acompanhou as mais de 4 horas da referida sessão, toma conhecimento da CPI da Covid através das notícias, a ‘desatenção’ dos sites progressistas é resultado do machismo que reina, por vezes dissimulado, em todos nós.
Assista
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