O governador Flávio Dino fala em entrevista sobre o momento político do País e sobre suas relações com deputados e prefeitos
Com o agravamento da crise política, o governador Flávio Dino defende a realização de novas eleições presidenciais como solução possível a curto prazo para evitar o completo naufrágio das instituições democráticas do País, ameaçadas pelo mar de lama revelado pela Operação Lava Jato.
“Quando há uma crise muito aguda como esta, somente a soberania popular pode garantir vitalidade para as instituições democráticas… Um pacto, entendimento e novas eleições, é o único cenário para rapidamente superarmos a crise política. Se não for isso, provavelmente vamos ficar caminhando nessa agenda policial e com o sistema político em destroço até 2018, o que é um preço muito alto para a população brasileira pagar”, disse aos jornalistas Jorge Vieira e Raimundo Garrone.
Flávio Dino avisa que o País não pode ser governado pela Operação Lava Jato, e que é preciso se refundar a política brasileira, mesmo com grande parte de seus atores fugindo da polícia, para que se restabeleça a credibilidade das instituições democráticas.
Ainda na entrevista ele fala sobre suas relações administrativas com o governo interino do vice-Michel Temer , do estabelecimento de princípios ideológicos e políticos que demarcam sua convivência com deputados e prefeitos, que já sabem que não podem convidá-lo para assinar convênios fantasmas ou que quebre o Estado para atender o interesse de qualquer segmento.
“…continuar lutando para que a gente consiga estabilizar as instituições democráticas de algum jeito, porque se nós não conseguirmos, nós teremos a continuidade desse desmoronamento, dessa demolição do quadro político e uma paralisia muito grave. Esse quadro não é bom para ninguém, sobretudo prejudica os estados mais pobres.”
Pergunta – O Brasil vive um momento conturbado em decorrência do afastamento da presidente Dilma Rousseff, essa mudança de governo provocou algum tipo de retaliação ao Maranhão?
Flávio Dino – Nós estamos muito longe de resolver essa crise política, uma crise muita grave, de todas a pior que já vivi, porque é uma crise muito profunda do modelo político, é uma crise de representação, de deslegitimação deste sistema político institucional aos olhos da sociedade, por isso ela é uma crise multipartidária, não é de uma posição política só. E é claro que numa conjuntura tão difícil como essa, acaba por gerar danos para todo mundo, danos para a sociedade de um modo geral, danos evidentemente a quem precisa de um governo federal funcionando bem, que é o caso do Maranhão. O Maranhão tem um alto nível de dependência tanto de transferências constitucionais obrigatórias, como de investimentos discricionários e esta paralisação da máquina pública federal, portanto, é muito nociva aos interesses do povo do Maranhão. Por isso que lutei fortemente no sentido da estabilização do quadro institucional pois me parecia, como agora ratifico, que o melhor caminho para isso teria sido a continuidade das regras do jogo democrático e do respeito à Constituição. Essa posição foi derrotada até aqui e nós temos, portanto, que continuar lutando para que a gente consiga estabilizar as instituições democráticas de algum jeito, porque se nós não conseguirmos, nós teremos a continuidade desse desmoronamento, dessa demolição do quadro político e uma paralisia muito grave. Esse quadro não é bom para ninguém, sobretudo prejudica os estados mais pobres.
Pergunta – A campanha que senhor fez contra o afastamento da presidente Dilma, está provocando perseguição ao Maranhão? Uma das primeiras informações que se teve notícia era que tinham retirado R$ 20 milhões da Saúde do Maranhão. Porque essa retirada?
Flávio Dino – Infelizmente houve a revogação de uma portaria que havia sido editada pelo ministro Marcelo Castro, um pedido antigo nosso que tramitava desde o início do meu governo, porque nós temos uma razão técnica indiscutível do Maranhão ter hoje a segunda pior renda per capita de média e alta complexidade do país. Muito pouco foi feito no passado, há praticamente uma década nós temos esse indicador negativo. Foi exatamente visando essa mudança que nós conseguimos uma série de portarias desde o ministro Chioro, até o ministro Marcelo Castro. Das 15 portarias, 14 foram mantidas e foram pagas beneficiando alguns hospitais e alguns municípios.
Pergunta – E essa que foi revogada?
Flávio Dino – Nós estamos questionando o governo federal porque isso significa subtração de mais de R$ 1,5 milhão/mês em nosso sistema de saúde, o que agoniza a defasagem que nós já temos. A grosso modo nosso sistema estadual de saúde custa em torno de 90 milhões de reais e nós recebemos R$ 18 milhões do Governo Federal, do SUS, isso significa que R$ 70 milhões vêm do Tesouro, portanto são aportes do Tesouro e não do SUS. Essa portaria viria exatamente para elevar esse repasse do SUS para nosso Estado. É um prejuízo importante e se não houver a resposta sobre qual a razão da sua revogação, nós vamos questionar perante o Poder Judiciário.
Pergunta – Não seria o caso também de uma ação política?
Flávio Dino – O vice-governador Carlos Brandão, a meu pedido, tem feito esse movimento. Ele próprio esteve no Ministério da Saúde e tem procurado as respostas do governo, pois foi uma atitude recente, que nos surpreendeu, foi sem aviso, soubemos pelo Diário Oficial. E na segunda-feira (20) eu vou participar de uma reunião do fórum de governadores com o presidente em exercício Michel Temer e eu mesmo vou questionar qual a razão desta medida porque até agora não sabemos o motivo.
Pergunta – O senhor tem sentido algum tipo de retaliação do Governo Federal contra o Maranhão pelo fato de ter se posicionado contra o que classificou de golpe?
“…não se trata de eu confundir a minha posição política com minha função administrativa de gestor de um Estado com sete milhões de habitantes. Eu distingo isso e espero que o Governo hoje liderado pelo vice-presidente mantenha essa atitude, que tem sido respeitosa até aqui.”
Flávio Dino – Tirando esse episódio da Saúde que não foi explicado ainda, não houve nenhuma outra medida que eu possa classificar como retaliação. Ao contrário, as questões que nós temos apresentado ao Governo Federal, até o presente momento, têm sido atendidas, por exemplo, muito recentemente, nós tivemos essa crise relativa ao transporte coletivo e eu solicitei, por telefone, ao ministro da Justiça a presença da Força Nacional e em 48 horas a Força Nacional estava aqui e nos ajudou num momento importante. Então é preciso distinguir essa minha visão política clara, e da qual eu não abro mão, me situo no campo da oposição a esse governo oriundo desse afastamento da presidente, mas isso não impede que eu mantenha as relações administrativas que são necessárias, assim como o governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSDB) ou Marconi Perilo (PSDB), que procuravam os governos Lula e Dilma e eu tenho o direito e obrigação, porque não se trata de eu confundir a minha posição política com minha função administrativa de gestor de um Estado com sete milhões de habitantes. Eu distingo isso e espero que o Governo hoje liderado pelo vice-presidente mantenha essa atitude, que tem sido respeitosa até aqui.
Pergunta – Qual sua posição atual em relação ao afastamento da presidente Dilma e ascensão de Michel como interino?
Flávio Dino – A mesma contra o impeachment. Acho que nós devemos repactuar a ação entre todas as forças políticas mediante três movimentos: rejeição do impeachment, realização de um plebiscito sobre novas eleições e, sendo aprovado, realização de novas eleições. Porque quando há uma crise, como disse no início muito aguda, somente a soberania popular pode garantir vitalidade para as instituições democráticas, que estão todas, neste momento, descredibilizadas aos olhos do povo. Tenho defendido expressamente, inclusive nas redes sociais, que haja isso, que nós tenhamos um pacto, entendimento e novas eleições. Acho que esse é o único cenário para rapidamente superarmos a crise política. Se não for isso, provavelmente nós vamos ficar caminhando nessa agenda policial e com o sistema político em destroço até 2018, é um preço muito alto para a população brasileira pagar.
Pergunta – Por falar em agenda política, recentemente os partidos políticos, inclusive o PT, se manifestaram contra as delações premiadas. Como o senhor analisa esta posição da classe política?
Flávio Dino – As delações premiadas são uma novidade no Direito brasileiro porque a lei que regulamenta esse instituto é relativamente recente e nunca tinha sido usado com tanta largueza. É natural que haja um tempo de maturação, de como esse instituto vai funcionar. Há, por exemplo, um questionamento acerca da validade das delações premiadas feitas com pessoas que estão presas, como se houvesse quase que uma troca, em que você troca informações por liberdade, enfim, esse questionamento não é apenas brasileiro, ele é internacional, bastante antigo no Direito. De um modo geral eu diria que a operação Java Jato coleciona muito mais acertos do que erros, como por exemplo a gravação da presidente Dilma, que o Supremo Tribunal Federal acabou de mostrar que realmente estavam erradas. Depois do vazamento da gravação e eu questionei muito duramente, porque obviamente era uma prova ilícita e que acabou produzindo danos políticos imensos. Decorridos dois meses, o Supremo reconhece exatamente aquilo que eu disse naquele discurso com juristas no Palácio do Planalto, ou seja, que a prova era ilícita, uma vez que não existia mais autorização judicial, portanto, as gravações jamais poderiam ter sido reveladas.
Pergunta – Em sua avaliação, a Operação Lava Jato faz mais bem ou mal para o País?
Flávio Dino – Faz muito mais bem do que mal, indiscutivelmente. Mas acho que alguns questionamentos têm que serem feitos com coragem, como esse relativo a algumas provas ilícitas. Acho que ao longo do tempo nós vamos chegar a um ajustamento em que se mantenha o instituto de delação premiada, mas ao mesmo tempo, eventuais abusos possam ser combatidos.
Pergunta – Diante da tanta descrença na classe política, o senhor acha que a população ainda vai voltar a confiar nas instituições políticas?
“Desde que eu me entendo por gente (1980) eu não via uma situação tão difícil para a política, de tanto questionamento porque, primeiro, uma grande parte dos atores políticos fugindo da Polícia, segundo, se debate mais Polícia e tribunais do que propriamente política.”
Flávio Dino – Eu acho que só há salvação com novas eleições, porque novas eleições podem permitir um novo pacto entre o sistema político e a sociedade e abrir caminho para aquilo que se debate há 20 anos no Brasil, que é a tal da reforma política. Quando cheguei no Congresso em 2007 nós chegamos a formatar uma proposta multipartidária, onde a redação final foi feita por mim e por Ronaldo Caiado, que na época era líder do DEM. A proposta que tinha apoio do PSDB, de grande parte do PMDB, da esquerda, perdeu por 15 votos no plenário. Era uma proposta que tinha dualidade: de um lado o pilar do financiamento público de campanha para tentar combater o caixa 2 e de outro, a lista fechada para tentar deixar o sistema político mais racional, porque uma das razões pela qual o Congresso hoje é ingovernável é justamente por conta desta lista aberta, do voto nominal, que existe em poucos países do mundo. Nas condições atuais, você precisa de um fato novo para reconectar a política com a sociedade. Desde que eu me entendo por gente (1980) eu não via uma situação tão difícil para a política, de tanto questionamento porque, primeiro, uma grande parte dos atores políticos fugindo da Polícia, segundo, se debate mais Polícia e tribunais do que propriamente política.
Pergunta – Quais as consequências dessa inversão de pauta?
Flávio Dino – Nesse momento, por exemplo, quem está discutindo desemprego no Brasil? Ninguém! Quem é que está discutindo como retomar o crescimento? Ninguém! Do campo, da Chikungunya? Ninguém! Ou seja, a política perdeu sua funcionalidade para os problemas reais do povo porque ela foi tragada por uma agenda que veio de fora para dentro, que é essa agenda que vem sobretudo deste bloco de poder chamado Operação Lava Jato, que esvaziou completamente o sentido das instituições políticas. Por isso que eu defendo o fim do processo de impeachment, plebiscito, novas eleições e reforma política. É um pacote, ao meu ver, imprescindível para a gente possa ter luz no fim do túnel.
” A Operação Lava Jato tem o mérito de destruir relações políticas viciadas, agora tem um limite, ela não consegue construir novas relações políticas, porque não é papel da polícia, do Ministério Público ou do Judiciário, isso é papel dos políticos e da sociedade.”
Pergunta – Em sua avaliação, o Brasil não será o mesmo depois da Lava Jato?
Flávio Dino – Sem dúvida. Acho que a Operação Lava Jato tem o mérito de destruir relações políticas viciadas, agora tem um limite, ela não consegue construir novas relações políticas, porque não é papel da polícia, do Ministério Público ou do Judiciário, isso é papel dos políticos e da sociedade. Então na medida que a sociedade não apoia o Temer, não apoia a Dilma, não apoia ninguém, apoia a Lava Jato, mas a Lava Jato desconstrói, quem é que constrói para colocar no lugar, ou você acha a sociedade vai funcionar sem governo? Obviamente que não, é preciso que se tenha instituições que garantam o mínimo de serviços e políticas públicas, o que não é impossível do jeito que está.
Pergunta – Como fazer para que essas instituições voltem a funcionar e quais os riscos desse caos político provocado pela Lava Jato?
Flávio Dino – Você teria que reunir o que sobrou do sistema político e tentar refundar a política no Brasil, porque se não for isso, a gente pode ir para uma aventura, como aconteceu na Itália, em que uma operação similar, que é a mãe da Lava Jato, que foi a operação Mãos Limpas, acabou resultado num governo pior ainda do ponto de vista ético que foi o governo do Silvio Beluscone. Ou seja, destruiu todo o sistema tradicional de partidos na Itália, praticamente sobraram apenas os comunistas naquele período e que acabaram se refundando, o PCI mudou de nome e acabou virando Democrático Dela Sinistra. O próprio PCI acabou se dividindo em três, tanto que atual primeiro ministro da Itália é oriundo do PCI, praticamente a única corrente que sobreviveu, porque os dois partidos hegemônicos foram totalmente destroçados pela operação Mãos Limpas. No que se destroçou, o que ficou no lugar? O mando do Silvio Beluscone, com práticas iguais ou piores do que aquelas que foram combatidas pela Operação Mãos Limpas. Então a gente precisa ter muito cuidado porque nas eleições de 2018 nós poderemos ter a vitória de alguém com a bandeira da antipolítica. E bandeira da nova política, geralmente é uma bandeira atrasada.
Pergunta – A esquerda fracassou ao chegar ao poder pela via democrática?
Flávio Dino – Eu acho que a esquerda cometeu erros graves. Mas se você botar na balança da história, a esquerda muito mais acertou do que errou. O período chamado de lulismo é marcado por muito mais conquistas e avanços do que por problemas. No longo arco da História vai ser esse o diagnóstico; como hoje se diz em relação à Getúlio Vargas, em 1950 o diagnóstico era um, e hoje é outro. Mesmo em relação ao Juscelino. Então a História costuma dá um certo distanciamento que favorece uma leitura mais ponderada. Agora, evidentemente, o ex-presidente me parece que fez concessões demais para uma prática política mais tradicional; e sobretudo não usou a força política que chegou a ter para promover novas instituições políticas . Aliás, este erro aproxima o Lula do Fernando Henrique, que também chegou a cumular forças políticas nos anos 90 para ajudar a formatar novas instituições políticas e a única coisa que ele propôs foi a reeleição.
Pergunta – No caso do Lula?
Flávio Dino – No caso do Lula ele chegou a ter força política suficiente e não usou para promover uma reforma política que ajudasse os políticos a ter um comportamento mais adequado. Muito bem, este é um grave erro, Mas não é um erro só da esquerda. Muito recentemente em evento acadêmico falava da falta que faz um centro democrático melhor, e ai ficava lembrando simbolicamente de líderes como Ulisses Guimarães, mesmo Tancredo Neves, que eram pessoas que não eram propriamente de esquerda, mas tinham posições mais democráticas, mais equilibradas, de respeito às instituições, e que não se envolviam nesse negócio de contas em Londres, contas na Suíça…, essa coisa aí. Então a gente teve na verdade, se a gente olhar em bloco, uma depreciação da política enquanto tal; a política perdeu qualidade, perdeu substância, basta lembrar o que foi àquele espetáculo de péssimo gosto, ético e estético, quando da votação do próprio impeachment da presidente Dilma na Câmara. Aquilo foi uma concentração de mal gosto que demonstra o quanto a política de depreciou. E ao se depreciar acabou se permitindo como normal todo o tipo de absurdo , como essa instucionalização da propina, do desvio… enfim. Então não dá para colocar só a esquerda no pelourinho, e chicotear a esquerda sozinha.
“A crítica que pode ser feita a esquerda foi a sua incapacidade de mudar essa realidade, que em um certo sentido ela acabou por se adaptar. “
Pergunta – Mas no que lhe cabe de responsabilidade pelo tempo que exerceu o poder?
Flávio Dino – A crítica que pode ser feita a esquerda foi a sua incapacidade de mudar essa realidade, que em um certo sentido ela acabou por se adaptar. Acho que a esquerda se perdeu em determinando momento em relação as tarefas do poder, acho que se concentrou muito na dimensão social, eventualmente na dimensão econômica, mas a dimensão institucional ficou esquecida e agora a gente está vendo as consequências.
Pergunta – Muitos desses problemas não decorrem de uma relação viciada entre o Executivo e o Legislativo, essa cultura de que se você não atender ao deputado, não governa e ainda corre o risco de perder o mandato, como foi o caso de Dilma e Eduardo Cunha?
Flávio Dino – Acho que há um trauma, lá atrás, que explica um pouco isso que foi o próprio impeachment do presidente Collor. Quando houve o impeachment do Collor, dez entre dez analistas políticos atribuíram ao fato de ele não ter dialogado com o Congresso, o que mais ou menos criou um padrão. O que Fernando Henrique fez? Se agarrou com o PFL, e depois Lula acabou fazendo isso em larga medida, mais recentemente, com o PMDB. Então esse padrão faliu. Esse padrão chamado academicamente de presidencialismo de coalizão, virou presidencialismo de colisão. Então é todo mundo colidindo com todo mundo, porque na verdade são duas questões: uma é esta da relação entre o Executivo e o Legislativo que não é marcada propriamente pelo debate de ideias, e sim por intere sses de várias naturezas, e a outra, igualmente problemática, que se estabeleceu diz respeito ao empresariado e a política.
Pergunta – O que há de problemático nessa relação com o empresariado?
Flávio Dino – É normal em qualquer País do mundo, sobretudo em países capitalistas, que políticos e empresários conversem, é absolutamente normal no sistema capitalista, que políticos e empresários façam pactos, é absolutamente normal, segundo a lei então vigente, inclusive que empresas financiassem campanhas. Só que o que não é normal é que isso vire fonte de benefício pessoal, de benefício patrimonial ou familiar, de desvio de dinheiro para o exterior, para financiamento de campanhas cada dia mais caras, que acabaram resultando em demandas de mais e mais dinheiro… indefinidamente. Ou seja: o que poderia ser visto como normal que é a relação de políticos com empresários, afinal, os empresários fazem parte também da sociedade, acabou se degenerando também. Acho que essa crise do modelo político, ela envolve portanto, essas duas grandes contradições entre o Executivo e o Legislativo, e o Judiciário acabou se agigantando como um terceiro, supostamente suprapartes, que iria regenerar essa relação, mas naturalmente só regenera na negativa, ou seja, dizendo o que não pode, mas não consegue por sua própria natureza dizer o que deve ser feito para corrigir isso. E por outro lado, nós temos um outro debate que é essa relação entre empresa e política, entre mercado e Estado, que nesse momento está duramente questionado, ao ponto que o Supremo proibir financiamento empresarial de campanhas, exatamente tentando encontrar um jeito que essas distorções sejam superadas.
” Se a empresa quer contribuir para a vida democrática do País, então ela doa para o fundo eleitoral do TSE, e o Tribunal Superior Eleitoral partilha o dinheiro entre as várias legendas,”
Pergunta – Esse fato de as empresas não puderem doar mais, na sua opinião vai nivelar um pouco mais essa questão dos gastos de campanha?
Flávio Dino – Vai ter um efeito positivo, não há dúvidas. Porém é preciso, passadas essas eleições municipais, colocar alguma coisa no lugar. Porque é impossível fazer campanha em qualquer lugar do planeta com custo zero. Então alguma fonte de financiamento você precisa ter. Ou você restabelece o financiamento empresarial em novas bases, por exemplo, havia uma ideia que apresentei, lá atrás, do financiamento empresarial não ser para o candidato nem para o partido, ser para à Justiça Eleitoral. Se a empresa quer contribuir para a vida democrática do País, então ela doa para o fundo eleitoral do TSE, e o Tribunal Superior Eleitoral partilha o dinheiro entre as várias legendas, apresentei essa tese em 2009. Seria um caminho. O outro é exatamente você aumentar o financiamento público de campanha.
Pergunta – Mas na delação do próprio Sergio Machado ficou evidente que entre as propinas, bem poucas foram como doações oficiais…
Flávio Dino – Pois é. Por isso a gente precisa colocar alguma coisa no lugar com o fim do financiamento empresarial para ampliar a chance do honesto, porque senão, o que temo é você normalizar o caixa 2. É o que havia muito antigamente. O Brasil já chegou a proibir esse financiamento empresarial. Nos anos 80 era proibido, e aí o que aconteceu? Se generalizou o caixa 2, normalizou o Caixa 2. Aí depois nos anos 90 veio a lei permitindo o financiamento empresarial com limite de 2 % do faturamento bruto. Então, nós já tivemos um movimento pendular nisso, agora é preciso encontrar um meio termo, porque o sistema atual, o sistema hoje vigente em face da decisão do Supremo pode a médio prazo conduzir é ao crescimento do caixa 2, que é o que a gente não quer.
Pergunta- Sobre esses vícios nas relações entre o Executivo e o Legislativo, como é a tua relação com a Assembleia Legislativa do Maranhão?
Flávio Dino – Tenho tido muita tranquilidade no exercício da função de governo, porque a gente conseguiu construir uma maioria parlamentar. Deixei claro desde o início que iria me manter fiel aos meus compromissos ideológicos e políticos fundamentais, e tenho me mantido até aqui, sem dúvida nenhuma. E isso que poderia ter criado algum problema, ao contrário, facilitou quando deixei claro qual era minha posição de não abrir mão de certos princípios.
“Então eu não posso quebrar o Estado para atender um segmento, qualquer que seja ele. Isso vale desde as emendas parlamentares, como vale para as reivindicações salariais dos servidores públicos. É claro que gostaria de atender todas, é claro que você gosta de ser simpático”
Pergunta – Não há revoltas, descontentamentos, por exemplo, nas questões das emendas?
Flávio Dino – Nas emendas a gente tem feito o esforço possível, porque, uma coisa é o que eu gostaria de fazer; eu fui parlamentar, é claro que respeito muito o instituto da emenda parlamentar, por que sei que ela é importante. Agora, nós estamos vivendo uma crise econômica igual a 1929, 1930. Então eu não posso quebrar o Estado para atender um segmento, qualquer que seja ele. Isso vale desde as emendas parlamentares, como vale para as reivindicações salariais dos servidores públicos. É claro que gostaria de atender todas, é claro que você gosta de ser simpático. Mas ao mesmo tempo eu tenho que ter a responsabilidade de quem está gerindo aqui, três vezes por dia, a conta do estado. Acompanho de manhã cedo, meio-dia, e à noite o que tem nessa conta, então eu sei a previsão de receita, a previsão de despesa; sei que a despesa cresce inexoravelmente até pela necessidade de prover serviços públicos e direitos, etc., e portanto não posso quebrar o Estado. Sempre digo para todos os setores, como digo aos parlamentares, não me convidem para transformar o Maranhão no Rio de Janeiro, não me convidem porque eu não vou. Não me convidem para transformar o Maranhão no Rio Grande do Sul, porque eu não vou. Agora digo isso de modo muito transparente. Estamos fazendo tudo que gostaríamos? Não. Mas estamos fazendo mais do que praticamente todos os estados. A maioria dos governadores tá passando zero de emenda parlamentar. Eu sei porque me reúno todos os meses com os governadores e pergunto. A maioria está atrasando salários, ninguém está dando aumento para ninguém, nós estamos dando aqui no Estado. Claro que não nos índices que eu gostaria, mas estamos dando.
“Como eu posso acreditar como uma situação política dessa que ninguém sabe nem quem governa o País? Quer dizer, eu sei quem governa o País, é a Operação Lava Jato.”
Pergunta – Como isso é possível?
Flávio Dino – Porque tem sido possível? Porque a gente tem uma gestão fiscal séria, cortamos despesas. Havia muita gordura em contratos, que nós cortamos. Por isso conseguimos fazer alguma coisa de emenda parlamentar, aumento de salários e contratação de novos funcionários. Agora isso não é infinito. Pelo contrário, esse ano é um ano de contenção de gastos, para ver se em 2017 melhora. Ora, com a agudeza dessa crise política, eu tenho um cenário de melhora de arrecadação federal? Claro que não. Então eu não posso fazer loucura! A não ser se eu acreditasse que a arrecadação de 17 vai melhorar. Como eu posso acreditar como uma situação política dessa que ninguém sabe nem quem governa o País? Quer dizer, eu sei quem governa o País, é a Operação Lava Jato. Então como a Operação Lava Jato não tem papel de arrecadar, então quem é que tá cuidando disso? Deus! Eu confio muito em Deus, mas também não dá para colocar tudo nas costas dele.
Pergunta – Essa questão das emendas é apenas uma questão financeira, ou também por uma questão de moralidade, já muitos pensam ser uma espécie de cheque para fazer campanha?
Flávio Dino – A gente coloca parâmetros sobre o que considera adequado, com uma certa distribuição das emendas parlamentares em grupos de despesas, exatamente para vincular a alguns objetivos programáticos. Agora, a gente não tem tido problemas com a Assembleia. às vezes, tem, uma reclamação cotidiana, até eu brinco, que é um esporte de um ou outro político que é falar mal de mim, a partir de uma lenda, que é a lenda, segundo a qual eu não gosto dos políticos. Eu gosto de política e me dou super bem com os políticos, o que eu não concordo é quando alguém, que raramente vem, me propõe algo errado. Algo que não seja correto do ponto de vista da Justiça, da legalidade. Como praticamente ninguém me propõe nada, eu me dou muito bem com os políticos. Agora eu tenho um foco principal, nós temos um estado com milhares de problemas e eu me dedico 90 % do meu tempo para a gestão administrativa, porque acho que o meu papel principal é impulsionar a máquina administrativa numa outra direção e garantir que os programas cheguem, que o Escola Digna seja feito, que a água se amplie nas casas das pessoas, que o Mais IDH seja feito, que as escolas sejam reformadas, que os hospitais estejam abertos… E isso realmente consome 90% do meu tempo, o que dá às vezes essa impressão que eu não valorizo a relação política, o que não é verdade.
Pergunta – E os prefeitos? Alguns reclamam que mesmo fazendo parte do pequeno grupo de apenas 17 prefeitos que subiram em teu palanque em 2014, não estão recebendo a atenção merecida por um aliado.
Flávio Dino – Em 2014 nenhum de nós, inclusive esses prefeitos, imaginava o tamanho da crise. A gente achava que 2015 seria um ano normal em nossas vidas. Veio um governo que não conseguiu governar, impeachment, Lava Jato, crise econômica, recessão de 5 %. Como é que eu posso fazer em 15 ou em 16, aquilo que em 14 você tinha a expectativa de que seria feito? Não posso, eu não faço milagre. Então, às vezes há uma ou outra incompreensão. Mas de todo jeito, a gente tem ajudado muito os municípios do Maranhão, indistintamente.
Pergunta – Como?
Flávio Dino – Vou dar três exemplos: primeiro, nós estamos conseguindo recompor a arrecadação do ICMS, em termo pelo menos nominais, por conta de medidas que temos tomado, e isso beneficia os municípios porque o ICMS não é só meu, 25% vai para os municípios. Pergunta para o prefeito de São Luís, o prefeito de Imperatriz, ou qualquer outro se não melhorou a arrecadação dele de ICMS. Dois: estamos fazendo o que não é nosso papel, ajudar a tapar buraco de rua, o que não é papel do governo do Estado, mas estamos fazendo isso hoje em 130 cidades do Maranhão, o que nunca foi feito na história do Maranhão. E não é buraco de MA, e aí eu deixo de cuidar de uma estrada estadual, que é minha competência, para ajudar o município a tapar buraco. Três: nós temos programas que ajudam os municípios. Por exemplo, a Força Estadual de Saúde está em 30 municípios hoje, fazendo o que? Atenção básica que é responsabilidade dos municípios. Quantos hospitais nós temos hoje do estado funcionando, alguns macrorregionais, fazendo o que? Fazendo o papel dos municípios, servindo por exemplo de hospital de urgência e emergência. Então quando a gente olha assim friamente a gente vai ver que os municípios têm sido muito ajudados.
“Agora o que não acontece até aqui, nem vai acontecer no nosso governo, é convênio fantasma. O que não acontece, nem vai acontecer em nosso governo é estrada fantasma”.
Pergunta – E essas reclamações…
Flávio Dino – Agora o que não acontece até aqui, nem vai acontecer no nosso governo, é convênio fantasma. O que não acontece, nem vai acontecer em nosso governo é estrada fantasma. Não vou deixar acontecer. Se para fazer coisa séria fazemos, como temos feito. Agora, convênios fantasmas não vai ter, e não me interessa se é aliado ou adversário
Pergunta– Como o governador vai se comportar politicamente nesse período de sucessão municipal, principalmente em Imperatriz e São Luís, os dois maiores colégios eleitorais do estado?
Flávio Dino – Em Imperatriz a gente deve encaminhar para um amplo entendimento dos políticos que nos apoiaram. Consideramos isso possível, caminhamos para isso, buscamos esse entendimento, especialmente com o PDT, que é um parceiro nosso importante, mas também dialogando com o prefeito Madeira, dialogando, obviamente com os companheiros do PT, enfim com todos aqueles que nos apoiaram. A nossa referência em Imperatriz em todas as demais cidades é o palanque de 2014.
Pergunta – E na capital?
Flávio Dino – No caso de São Luís, nos reconhecemos antecipadamente que não é possível essa união. Porque os dois candidatos, hoje mais fortes me apoiaram em 2014, então não tenho como propor nem para Edivaldo, nem para Eliziane, que eles retirem suas candidaturas, um em favor do outro, porque não haveria parâmetro de arbitramento, porque os dois estão polarizando a disputa até aqui. É claro que isso pode mudar, você tem também o deputado Bira que me apoiou também. Então você tem vários candidatos que me apoiaram, e já deixei claro que não participarei das eleições. Vou participar de alguma convenção em São Luís ? Não. Vou participar de alguma caminhada? Não, a não ser que no segundo turno tenha-se um que m e apoiou e outro que não me apoiou.
“Primeiro eu não acho que esteja tão claro que o senador Roberto Rocha seja candidato a governador, embora ele tenha todo o direito de ser. Acho que há ainda um debate muito longo até lá”
Pergunta – No caso de São Luís, pensando em 2018, Eliziane não representaria um impecilho a seu projeto de reeleição, já que de maneira clara deu a entender estar mais próxima do senador Roberto Rocha (PSB), que embora seja da sua base aliada, pensa em disputar o governo contra a sua candidatura?
Flávio Dino – Primeiro eu não acho que esteja tão claro que o senador Roberto Rocha seja candidato a governador, embora ele tenha todo o direito de ser. Acho que há ainda um debate muito longo até lá. É natural que esse debate suja porque é uma liderança política importante, e se ele se colocar tudo bem, é da vida. Acho que não é nítido assim que a deputada Eliziane se situasse mais nesse campo, até porque ela tem o apoio de outras forças. agora recentemente ela fez aliança com o PSDB que é um partido que integra o nosso campo, o nosso vice-governador é do PSDB. A tendência é que nós só possamos definir isso mais claramente em 2018. Assim como Edivaldo é um aliado leal do nosso campo e também um amigo, não tenho razão para não considerar a deputada Eliziane uma aliada igualmente leal ao nosso governo.