Presidente da 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Ney Bello, criticou decisão em que o juiz da Lava Jato manteve extradição de Raul Schmidt, alvo da Lava Jato preso em Portugal, peitando decisão de magistrado convocado pela Corte
Juiz não pode descumprir decisão por “pretensões individuais”, diz Bello a Moro
Luiz Vassallo/SÃO PAULO e Teo Cury/BRASÍLIA (O Estado de São Paulo)
O desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região afirmou, por meio de nota, neste sábado, 28, que o juiz federal Sérgio Moro ‘instou às autoridades públicas’ a ‘descumprir ordem judicial’ ao dar decisão divergente com a proferida pelo juiz convocado da Corte Leão Aparecido Alves e manter a extradição de Raul Schmidt, alvo da Lava Jato preso em Portugal. O magistrado convocado pelo TRF-1 concedeu habeas corpus a Schmidt nesta sexta-feira, 27, para barrar a extradição ao Brasil. Pouco tempo depois, no mesmo dia, Moro decidiu no sentido de manter o processo e criticou Leão nos autos.
Apesar do conflito de decisões entre os magistrados, o Superior Tribunal de Justiça já havia negado liminar em habeas a Schmidt para impedir sua extradição.
“O que é intolerável é o desconhecimento dos princípios constitucionais do processo e das normas processuais penais que regem estes conflitos, sob o frágil argumento moral de autoridade, e em desrespeito ao direito objetivo. A instigação ao descumprimento de ordem judicial emitida por um juiz autoriza toda a sociedade a descumprir ordens judiciais de quaisquer instâncias, substituindo a normalidade das decisões judiciais pelo equívoco das pretensões individuais”, afirmou Ney Bello, presidente da 3ª Turma do TRF-1, sobre o despacho de Moro.
Alvo da Operação Lava Jato, Schmidt é investigado pelo pagamento de propinas aos ex-diretores da Petrobrás Renato de Souza Duque, Nestor Cerveró e Jorge Luiz Zelada, todos envolvidos no esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa instalado na Petrobrás entre 2004 e 2014.
Schmidt estava foragido desde 2015, quando foi para Portugal, pelo benefício da dupla nacionalidade.
Detido em março de 2016, ele fez acordo com o Judiciário português para responder o processo de extradição em liberdade. Foi preso no último dia 13, quando a Justiça de Portugal rejeitou seus últimos recursos e determinou sua extradição para o Brasil.
Nesta sexta-feira, 27, duas decisões conflitantes foram proferidas em relação a Schmidt. Leão Aparecido Alves, do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1), deu uma liminar – decisão provisória – para suspender a extradição de Schmidt até o julgamento do mérito do habeas corpus pedido pela defesa.
Em sua decisão, Leão lembrou que a ordem de execução da extradição do português está suspensa até 2 de maio, por ordem do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH).
“No presente caso, a fundamentação fática e jurídica exposta pelo impetrante demanda o exame de questão somente de direito”, anotou Leão. “Os fundamentos expostos pelo impetrante são razoáveis. Não há dúvidas de que a condição de português nato impede que o Brasil formule promessa de reciprocidade em se tratando de brasileiro nato.”
Mais tarde, também nesta sexta-feira, 27, Moro peitou a decisão do juiz do TRF-1. “Ora, ao encaminhar o pedido de extradição, a autoridade judiciária é a autoridade requerente”.
Moro afirma que ‘questões relativas à extradição estão submetidas a este Juízo e, por conseguinte, em grau de recurso ao Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) e ao Superior Tribunal de Justiça’.
“O Tribunal Regional Federal da 1.ª Região, apesar de todo o respeito que lhe cabe, não tem jurisdição sobre o assunto”, adverte Moro. “Cogito a possibilidade de que a defesa de Raul Schmidti Fellipe Júnior tenha ocultado fatos relevantes ao relator do habeas corpus no Tribunal Regional Federal a 1.ª Região”, anota o juiz da Lava Jato.
Neste sábado, Ney Belo, presidente da 3ª Turma do TRF-1, reagiu ao despacho de Moro, por meio de nota. “Quando dois ou mais juízes se entendem competentes para decidirem sobre o mesmo caso o ordenamento jurídico brasileiro prevê solução para a controvérsia, em procedimento denominado Conflito de Competência. Tal conflito é julgado, em casos como este, pelo Superior Tribunal de Justiça”.
“É inimaginável, num Estado Democrático de Direito, que a Polícia Federal e o Ministério da Justiça sejam instados por um juiz ao descumprimento de decisão de um Tribunal, sob o pálido argumento de sua própria autoridade”, afirmou.
Para o desembargador, ‘questões de competência resolvem-se a partir do próprio ordenamento jurídico, com respeito à lei e ao sistema que nos rege’.
“Instar ou determinar às autoridades públicas que descumpram ordens judiciais por delas discordar não é ato próprio de um magistrado, e só atenta contra o próprio Poder Judiciário e o sistema jurisdicional”, afirmou.