Um combate civilizatório. Por Alexandre Vale
“Quem sabe essa supremacia se faça presente na universidade, ambiente por excelência de Antonio Risério, cujos departamentos, por certo, em sua composição étnica e proliferação de títulos de doutorado, refletem a pluralidade da composição demográfica brasileira”
*Alexandre Vale
O combate, a condenação e a denúncia do racismo, em suas diferentes formas de manifestação, deve ser a essência de toda e qualquer análise sobre esse tema obsceno ainda presente na história da humanidade. Trata-se de imperativo ético e moral insofismável que deve estar presente em atitudes e palavras.
No caso de países fundados sob a égide da escravidão em escala industrial, como o Brasil, não proceder de acordo com esse princípio é chancelar os séculos de desumanização, escravidão, morte e violência extrema aos quais foram submetidos e ainda permanecem sujeitos os negros e o racismo ignominioso inerente a essas atrocidades. Angela Davis afirma que não basta não ser racista, é preciso ser antirracista. Acrescento que isso deve ser exercido por todas as formas e meios disponíveis.
Portanto, quando me defronto com os equívocos conceituais cometidos por Antonio Risério em seu artigo publicado na Folha de São Paulo, “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo”, além de lamentar que um intelectual aborde de maneira fragmentada e superficial aspectos complexos e de ampla relevância social, faz-se indispensável a necessária contraposição, para que não prospere a compreensão equivocada que termina por chancelar, favorecer ou até mesmo estimular atitudes preconceituosas e racistas.
Negros, à luz dos fatos históricos, por demais evidentes, são vítimas e não perpetradores do racismo. Hoje, por razões que são conhecidas por aqueles que acompanham a tendência cada vez mais ativa do revisionismo, precisamos reafirmar essa obviedade.
A condição de vítimas do racismo, necessariamente, estabelece como corolário que os negros, individual e coletivamente, sabem combater e enfrentar essa obscenidade inaceitável da forma mais correta, livre de contradições, equívocos e até mesmo erros graves? Não.
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Ser vítima de racismo, por mais absurdo, inconcebível e nefasto, não confere a ninguém superioridade ética, moral ou o monopólio de todas as virtudes. Mesmo e sobretudo o combate ao racismo, que deve ser amplo, diário, profundo, total, não comporta o cometimento de falhas que permitam solapar os alicerces éticos desta causa mais do que justa.
Nesse sentido, mais um “argumento” de Antonio Risério se dissolve no vácuo de sua própria inconsistência, o que afirma que os negros já instauraram uma supremacia para fazer valer seu desejo de vingança contra seus algozes, os brancos. Pergunto: que supremacia é essa e onde ela pode ser constatada?
Talvez nas páginas policiais, que demonstram de forma inequívoca e com o habitual sensacionalismo, o genocídio diariamente cometido contra populações negras pelas forças policiais para a manutenção da “lei e da ordem”.
Ou talvez nas páginas de economia em que a mão invisível do mercado atua incansavelmente para ampliar distanciamentos sociais, negar oportunidades, simular acolhimento e inclusão produtiva, reproduzir a riqueza apenas para os poucos que a possuem de forma acintosa num país com escandalosa desigualdade social.
Quem sabe essa supremacia se faça presente na universidade, ambiente por excelência de Antonio Risério, cujos departamentos, por certo, em sua composição étnica e proliferação de títulos de doutorado, refletem a pluralidade da composição demográfica brasileira.
Por fim, essa supremacia, por benefício da dúvida, seja evidente nos canais e veículos de entretenimento nacionais, cuja paleta de cores se revela majoritariamente negra, como historicamente sempre deixaram muito nítido os telejornais e novelas.
Falar em supremacia negra num país como o Brasil, particularmente no atual momento em que as conquistas e direitos sociais que nos colocariam na rota de um processo minimamente civilizatório estão ameaçadas e sob ataque permanente, é desonesto, infame, vergonhoso.
Desejamos que o combate permanente ao racismo se dê no marco de ações que respeitem a legalidade, jamais sob o signo da vingança ou da violência de que ainda somos vítimas preferenciais e diárias.
Desejamos que esse combate seja marcado por amplo e irrestrito processo de inclusão social em todas as dimensões, especialmente a Educação; a Saúde; o emprego e renda; a habitação; a segurança pública não exercida de maneira discriminatória e higienista; o acesso à Justiça, entre outros aspectos.
Desejamos que o combate que hoje devemos fazer ao racismo inspire nas próximas gerações atitudes de respeito à dignidade humana que venham a eliminar por completo da realidade essa tragédia social ainda presente.
*Alexandre Antonio Vieira Vale, auditor estadual de controle externo do Tribunal de Contas do Estado do Maranhão. Especialista em Administração Pública.