*Marcellus Ribeiro Alves
A crise do coronavírus atingiu o Brasil numa situação econômica já bastante debilitada. Recordemos que em 2019, conforme o IBGE, o PIB brasileiro cresceu apenas 1,1%. A Pandemia, portanto, apenas agudizará uma situação que já era ruim.
Soma-se a isso uma desvalorização brutal do real frente ao dólar, uma natural retração do comércio internacional e uma mega redução do preço do barril de petróleo (que abalarão as finanças dos entes subnacionais).
Para completar o prato indigesto, a absoluta incapacidade do Presidente da República em conduzir ações de enfrentamento da crise de saúde e econômica, impondo a todos um falso debate, sempre centrado na dicotomia Proteção à Saúde ou Proteção à Economia. Assim, para ele, se optarmos pelo isolamento social, teremos uma crise econômica que, igualmente, ceifaria vidas.
O debate é mentiroso e só interessa àqueles que possuem os instrumentos de política macroeconômica (moeda, juros, endividamento e câmbio) e não os adotam. Nenhuma das medidas a seguir propostas significa abdicar das ações de combate à propagação do vírus.
Vejo, absolutamente incrédulo, propostas de enfrentamento da situação surgindo de tristes e carcomidos manuais de economia, abandonados até por seus autores.
Em regra, as sugestões – sob argumento de equilíbrio fiscal- reduzem ainda mais o gasto do governo federal e serão bastante eficientes para gerar um nefasto e impiedoso efeito cíclico, aumentando a recessão que se avizinha.
Não nos esqueçamos que vivemos épocas de guerra e que a teoria econômica de manuais em nada se aplica. Equilíbrio fiscal é importante, mas, neste tempo extraordinário, diminuir o gasto público significa dolosamente matar parte da população de fome (pois reduz a renda agregada, a demanda, o consumo e o investimento e a oportunidade de emprego) ou à míngua, sem assistência do Estado, privando-os de serviços públicos essenciais.
Lord Keynes ensinou ao mundo como superar a crise de 1929: “O Estado devia contratar trabalhadores para enterrar garrafas de dia e desenterrar à noite”. O Governo Federal deve, portanto, aumentar o gasto público e não o reduzir, para minimizar os efeitos da retração econômica.
Uma boa linha de ação foi adotada pela Grã-Bretanha, cujo Estado suporta 80% dos salários dos trabalhadores, com o propósito de evitar demissões.
Até Trump já abandonou a cartilha e anunciou um pacote inédito de 2 trilhões de dólares (13 % do PIB) para combater o coronavírus e seus efeitos econômicos. Na Grã Bretanha e Espanha, a expansão do gasto público é da ordem de 17% do PIB; Na Alemanha, de aproximadamente 20% do seu PIB. No Brasil, não passa de 2% e se pensa em reduzir ainda mais…
Diz a convencional Teoria Quantitativa da Moeda que emiti-la sem lastro leva à inflação. Ainda que fosse realmente válida, ela não funcionaria em situação de guerra, como a que ora enfrentamos. O isolamento das pessoas tem forte efeito sobre a redução da demanda. Aliado a isso, produz, à reboque, uma diminuição na velocidade de circulação da moeda, uma vez que, em razão das incertezas futuras, as pessoas preferem entesourar, guardar seu dinheiro a gastá-lo. É intuitivo o que se afirma: basta olhar o que acontece com o nosso comércio hoje.
Assim, é possível e recomendável ao Governo Federal emitir moeda, sem que isso gere inflação de demanda, pois a procura é quase inexistente e as pessoas estão tendentes a poupar seus recursos.
Neste cenário, as medidas recentemente adotadas pelo Banco Central (como a redução da alíquota do compulsório para bancos de 31% para 25%) são importantes, mas insuficientes para enfrentar uma crise desta dimensão.
Além de emissão de moeda, também é possível reduzir ainda mais a taxa de juros, até o limite percentual da elevação do PIB, sem que isso gere inflação. Como temos um quadro de recessão, é possível chegar com a taxa de juros próximo a zero, a exemplo da medida adotada pelo FED (Banco Central americano).
Deste modo a redução da taxa de juros teria um efeito positivo sobre as contas do governo (reduzindo o valor dos serviços da dívida) e incentivaria o crédito, o investimento, o consumo, ampliando a demanda agregada e aquecendo a economia.
O efeito destas medidas seria ainda maior se viesse acompanhado de facilidades para a ampliação da dívida privada (acesso ao crédito), ainda que por meio da elevação da dívida pública, como fez recentemente a Alemanha. Isso possibilitaria o ingresso de dinheiro novo na economia, que poderia ser destinado a trabalhadores desempregados e para micro e pequenas empresas, salvando-as da falência, de quebrarem.
Em termos agregados, a elevação da dívida pública levaria a uma ampliação da demanda, do investimento e, por consequência, da própria renda, sem que isso significasse renunciar ao isolamento horizontal (ou seja, manter em quarentena todas as pessoas, exceto os profissionais dos serviços essenciais) até aqui o procedimento mais eficiente para combater a propagação do vírus. Em uma situação como a que estamos vivendo, de grave retração econômica, são mínimos os riscos de que um aumento na oferta de crédito possa causar inflação.
Nem mesmo quem devotadamente crê nos manuais de Chicago acredita que isto traria inflação. Evidente também que “o mercado” não veria com desconfiança estas medidas, pois sabe que é a única forma de salvá-lo. É por isso, igualmente, que economistas ortodoxos liberais defendem sem cerimônias algumas destas ideias.
Medidas de proteção à economia e de combate à pandemia não são opções mutuamente excludentes, mas sistemicamente complementares e que, portanto, não devem ser analisados de forma estanque, com desprezo à ciência e com o uso de vocabulário escatológico.
Até este momento – como apropriadamente comparou o Presidente da França -, estamos numa guerra em que o Capitão, por medo, negligência ou ignorância, não quer lutar.
Felizes as nações que têm, neste momento, um líder sereno e combativo.
*Marcellus Ribeiro Alves é Bacharel em Economia e Direito. Especialista em Direito Tributário. Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil e atualmente Secretário de Estado da Fazenda do Maranhão.