Maqueano roxo, poeta Celso Borges esquecia o desprezo pelo Sampaio “naquelas tardes em que Bimbinha inventava o sol no Nhozinho Santos”

Quadro do artista plástico Fernando Mendonça
Celso Borges
Eu falei outro dia numa mensagem curta do Instagram, quando soube da morte de Bimbinha, que às vezes eu saía de casa no domingo à tarde, no final dos anos 70, só pra vê-lo jogar no Nhozinho Santos. Era uma turma grande, de irmãos e primos, que ia junto, com suas bandeiras e alegria, todos motenses, eu era o único torcedor do MAC. Por isso mesmo, não havia espaço para o Sampaio Correia no coração da gente. Minto, havia sim, do torcer contra. A Bolívia Querida era a nossa inimiga número um, assim como o Flamengo, no Rio, pois a gente torcia pelo Botafogo, nos bons tempos da Estrela Solitária. Nunca me esqueço de um sábado à tarde, de 15 de novembro de 1972, aniversário dos urubus, dia de um memorável 6×0. Três gols de Jairzinho, dois de Fischer e um de Ferreti e eu chorando de alegria, correndo pela rua do sol com os meus olhos estrelas. Mas isso aí é outra história.
Bimbinha substituía no meu coração a figura de Dario, ponta esquerda do grande time do MAC, bi-campeão em 1960-1970: Da Silva, Baezinho, Luís Carlos, Sansão e Elias. Almir e Iomar. Euzébio, Hamilton, Antonio Carlos e Dario. Magrinho, drible fácil, o ponta entortava os laterais adversários e fazia a alegria de muitos torcedores, mesmo os de outros times. Quase 30 anos depois quando compus a canção Canhoteiro, com Zeca Baleiro, Fagner e Fausto Nilo, era Dario a minha referência naquela letra. Eu jamais vira Canhoteiro jogar e correr pra cima do adversário, então tive que inventá-lo nos dribles e gols de Dario. Corre, dispara, para, ginga, zás, mais um zagueiro jaz no chão. Outro já era, não levanta mais, outros virão.
Bimbinha era um amor à parte. Pela alegria que trazia nos dribles e nas pernas curtas. Quando pegava na bola, o estádio inteiro gritava euforicamente. Aí vinham os dribles em velocidade, seguidas das gargalhadas de prazer que atravessavam toda a Vila Passos e só desapareciam quando desabavam nas águas do Anil. Ah, Nelson Rodrigues, tu nunca viste Bimbinha jogando, mas roubo de ti esses percepções de magia e invenção que tu criaste nas crônicas épicas à sombra das chuteiras imortais!
Nessas horas eu esquecia meu desprezo pelo Sampaio e me juntava a milhares de vozes de riso e prazer. Bimbinha era o Chaplin sentado na porta da casa ao lado daquele menino, coçando a cabeça do seu cão, que assisti pela primeira vez no cine Eden numa sessão da tarde para sempre perdida.
Bimbinha era Buster Keston, que só fui ver muitos anos depois tomando banho de chuva, ainda que andando com um guarda-chuva, como se protegesse das águas sua alma companheira.
Bimbinha era Monsieur Hulot, personagem do filme O tio, do diretor Jacques Tati. Mesmo tão diferentes fisicamente, posso imaginá-lo atravessando o quintal da casa no filme, se desviando dos labirintos enganadores da tecnologia, como se driblando um lateral adversário.
Não, Bimbinha não era um Garrincha, mas se alguém de vocês que aqui me lêem, virem as imagens do jogo Botafogo 3×0 no Flamengo, final do campeonato carioca de 1962, irão entender o que estou dizendo. Bimbinha não era o gênio alvinegro que fazia babar os zagueiros flamenguistas, mas quando as imagens se desviam para a arquibancada e mostram a alegria dos torcedores, entre o gozo e o riso, podem ter certeza de que também era assim naquelas tardes em que Bimbinha inventava o sol no Nhozinho Santos.
Eu era um daqueles torcedores. Por isso escrevo, por isso invento. Por isso me sinto mais humano.