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    Decisão de amigos de dividir ouro no salto em altura foi uma vergonha histórica. Por André Barcinski

    História de Barshim e Tamberi rendeu incontáveis horas de suspiros na TV, mas passou longe de ser um grandioso exemplo de espírito olímpico

    O italiano Gianmarco Tamberi e Mutaz Essa Barshim, do Catar dividem o pódio do ouro, após prova de salto em altura Foto: Dylan Martinez/Reuters

    André Barcinski (Folha de São Paulo)

    Os Jogos Olímpicos sempre foram marcados por histórias de superação e conquistas, de atletas extraordinários vencendo seus limites e os adversários. Até agora. Nas Olimpíadas de Tóquio, um dos momentos mais celebrados por torcedores e pela mídia aconteceu justamente quando dois atletas desistiram de competir.

    A final da prova do salto em altura se encaminhava para uma conclusão emocionante: depois de uma competição duríssima, Mutaz Essa Barshim, do Qatar, e Gianmarco Tamberi, da Itália, estavam empatados com saltos de 2,37 metros.

    Os dois tentaram, por três vezes, superar a marca de 2,39 metros, mas falharam (Barshim havia saltado 2,38 metros há três anos, e Tamberi já superara os 2,39 metros em 2016). O juiz propôs, então, o óbvio: um salto final para desempatar a prova. Mas Barshim perguntou: “Podemos ter dois ouros?”.

    Eles podiam. A regra diz que, quando um salto de desempate não é realizado, incluindo na situação em que os atletas envolvidos decidem não saltar mais, o empate para o primeiro lugar permanecerá. E Barshim e Tamberi, que são amigos pessoais, optaram por desistir da disputa e dividir a medalha de ouro.

    Não foi uma decisão comum. Para se achar o mais recente caso de um ouro olímpico dividido entre dois competidores no atletismo, precisaríamos voltar 109 anos, às Olimpíadas de Estocolmo, em 1912, quando o norte-americano Jim Thorpe e o norueguês Ferdinand Bie dividiram o primeiro lugar na prova do pentatlo, e o próprio Thorpe dividiu o ouro no decatlo com o sueco Hugo Wieslander.

    Vale a pena conhecer as histórias dessas medalhas divididas entre Thorpe, Bie e Wieslander, até para comparar com a de Barshim e Tamberi: em 1912, Bie terminou em segundo lugar na prova do pentatlo, e Wieslander em segundo do decatlo, ambos perdendo para Thorpe. No ano seguinte, foi descoberto que Thorpe havia jogado beisebol numa liga norte-americana, o que o qualificava como um profissional e, portanto, impossibilitado de disputar os Jogos Olímpicos naquele período amador.

    O Comitê Olímpico Internacional desqualificou Thorpe e deu a medalha de ouro do pentatlo a Bie e a medalha do decatlo a Wieslander. Mas Bie e Wieslander, que haviam perdido de Thorpe no campo, não aceitaram suas medalhas. As pendengas só foram resolvidas em 1982, quando a punição de Thorpe foi revogada, e o Comitê declarou que suas medalhas de ouro deveriam ser divididas com Bie e Wieslander.

    Ou seja: nunca, na história do atletismo olímpico, dois atletas abriram mão de continuar a disputa e decidiram que eram merecedores de uma medalha de ouro, como fizeram Barshim e Tamberi. Nunca.

    A decisão de Barshim e Tamberi rendeu incontáveis horas de suspiros e textos piegas na cobertura de TV, e um tsunami de memes de coraçãozinho na web, mas, no âmbito esportivo, foi uma vergonha histórica.

    Dois amigos se juntam e decidem que não querem mais competir, que não precisam provar que um é melhor que o outro. “Ah, mas a regra permite”, dirão os idiotas da objetividade, como bem definiu Nelson Rodrigues. Sim, a regra permite. Mas nem tudo que é legal é moral.

    O que muitos consideraram um lindo gesto de amizade e espírito esportivo, para outros pareceu a apoteose do egoísmo. Eu adoraria ter visto os dois amigos disputando o ouro num último salto. Isso, sim, seria um grandioso exemplo de espírito olímpico.

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