Definições do mundo cão: Hipocrisia é confundir ética com limites à liberdade de opinião
A recente polêmica – se assim pode-se classificar a reação contrária – provocada pela nota de repúdio assinada por jornalistas contra a exibição de fotos grotescas do suicídio da jovem Lara Sena por alguns blogs da capital revelou a importância de se estabelecer princípios éticos para os que utilizam suas páginas pessoais como veículos de informação.
Ao pretender ser um espaço de notícia, um blog deve se submeter às responsabilidades do profissional de comunicação, pela natureza social e finalidade pública do seu trabalho. Mas à turma só interessa essa associação quando alegam em nome de sua barbárie a liberdade de imprensa.
São Luís, aliás todo o Maranhão, está repleto de blogs noticiosos – com a digital de pessoas com pouca escolaridade – que copiam, distorcem e até inventam o que bem entendem para atender seus interesses financeiros, sem levar em conta a importância da mídia na defesa dos interesses da sociedade.
Se antes do advento da internet esse papel era exercido pelo empresário de comunicação, com mais ou menos descaramento, e o jornalista era obrigado a seguir a linha editorial do veículo, podendo vez por outra questioná-la internamente, hoje ambos se confundem.
Mas enquanto a notícia como mercadoria é vendida pelo jornalista ou até mesmo pelo blogueiro – esse novo produtor de notícias – com outra formação, ainda se pode esperar que ela seja tratada dentro dos fundamentos da norma ética e profissional, por mais escassos que sejam.
A nota de repúdio é uma boa oportunidade de ampliar para além dos muros acadêmicos o debate sobre a conduta dos produtores de notícia, seja para enquadrar o profissional graduado, que não dá a mínima importância para a ética; seja para o blogueiro que a ignora exatamente por não ter e não ser uma profissão definida, com o seu devido código de postura.
O resultado é a busca desenfreada de audiência, mesmo ao custo da privacidade alheia, do apelo sexual e da exploração e incentivo do sentimento mórbido de boa parte da sociedade, como é o caso da publicação de fotos de vítimas de violência, sem levar em conta a dor de suas famílias e a ofensa à dignidade humana.
Mas o pior não foi os blogueiros que depois da reação negativa retiraram as fotos da bela Lara desfigurada, embora tenham ficado tempo suficiente no ar para viralizar nas redes sociais.
Pior mesmo foram os outros que criticaram a nota a partir de uma leitura desvirtuada de seu conteúdo, transformando-a em uma ação oportunista dos jornalistas, que teriam tirado proveito de uma tragédia para criminalizar a blogosfera, “por causa de um ou outro caso isolado desse ou aquele blogueiro”, como se essa atividade atentasse contra a profissão de jornalista.
Além de não haver esse conflito, e nada impede que ambos tenham o seu espaço, o jornalista é jornalista e o blogueiro é blogueiro. O que define a qualidade das informações que divulgam é a competência e a seriedade com que as produzem.
A diferença, no entanto, é que somente o jornalista pode contrariar a ética, como muitas das vezes o faz, exatamente por possuir o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, publicado em 2007, que em seu artigo 11 estabelece que não podem divulgar informações: “I – visando o interesse pessoal ou buscando vantagem econômica; II – de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes”.
Algum jornalista atira a primeira pedra?
Por isso mesmo a nota é importante, como também é importante que os blogueiros participem do debate e condenem o mal uso da internet por uns e outros que acaba desmoralizando a todos, independente de serem jornalistas ou não.
Outro equívoco é diminuir a importância da nota, acusando de hipócritas os jornalistas signatários por não terem expressado publicamente a mesma indignação em casos semelhantes, como o suicídio do professor do curso de Comunicação da UFMA, Nilson Amorim, e o assassinato do jornalista Décio Sá.
Não é o silêncio do passado e o fato de não tornar público o mesmo repúdio, manifestado em conversas particulares, questionando a falta de ética em publicar tais fotos; ou mesmo que tenhamos cometido algum pecado de conduta, que impede uma tomada de consciência que nos faça dizer: basta!
Afinal ainda em 1860, o poeta francês Charles Baudelaire já dizia da impossibilidade de passar os olhos por qualquer jornal, sem descobrir em todas as linhas os traços mais pavorosos da perversidade humana.
“Qualquer jornal, da primeira à última linha, nada mais é do que um tecido de horrores. Guerras, crimes, roubos, linchamentos, torturas, as façanhas malignas dos príncipes, das nações, de indivíduos particulares; uma orgia de atrocidades universal. E é com este aperitivo abominável que o homem civilizado diariamente rega o seu repasto matinal”.
Enfim, leio uma reflexão séria e sóbria sobre a ética jornalistica! Parabéns, Garrone, permita-me levar seu texto para a minha sala de aula.
fico lisonjeado.