
Em entrevista para o blog, a professora da Universidade Federal do Maranhão e ativista histórica do movimento feminista Mary Ferreira, nos fala sobre a participação da mulher na política do Maranhão e do país. Palestrante da IX Jornada Internacional de Políticas Públicas que tem como tema “Civilização ou barbárie: o futuro da humanidade”, a militante feminista fala sobre a participação do gênero no parlamento, reserva de cotas.
Os partidos, sejam direita, centro ou esquerda, têm dificuldades de preencher a exigência percentual de mulheres na lista de candidaturas. No entanto, há uma proposta no Senado de reservar 30% das vagas nos parlamentos para as mulheres. A senhora acha acertada a proposta ou ela favorece anomalias como laranjas e outras distorções?
Os partidos independentemente da ideologia não têm alterado as relações de gênero dentro das suas fileiras, embora observe-se que partidos como PT, PSTU, PSOL, tenham feito esforços para alterar estas relações de poder, como se vê nas últimas eleições. A maioria dos partidos, diria que 80%, não faz nenhum esforço de mudar o quadro de sub-representação das mulheres na política brasileira. Em estudo recente que realizei em cinco municípios maranhenses, percebi que grande parte dos partidos não cumpriu a Lei Eleitoral no que se refere aos 30% no mínimo, destinadas a um sexo. Trabalhei com dados divulgados pelo TRE/MA que analisei cuidadosamente. Muitos partidos não desenvolveram nenhum tipo de ação para estimular a participação das mulheres, apenas as arregimentam para a eleição em virtude da exigência do cumprimento das cotas eleitorais, em geral fazem isso as vésperas das eleições.
Se o Congresso conseguir reservar 30% de vagas para mulheres no Senado Federal, considero uma medida acertadíssima, porque em todos os países nos quais as mulheres eram ou ainda são sub-representadas, as mudanças se deram através de política de cotas. Quando se analisa a situação da Argentina, Dinamarca, Finlândia, Suécia, que são países que praticamente igualam a representação feminina a dos homens, em todos esses países as mudanças se deram pela aplicação correta da Lei das Cotas.
Dos 33 partidos políticos registrados no TSE, apenas cinco são dirigidos por mulheres: PT, PTR, PCdoB, Podemos e PMB. Como então a mulheres ter protagonismo como este comando do gênero masculino?
É de fato um número muito pequeno, que traduz claramente a realidade da sub-representação de mulheres no Brasil. Uma das explicações para a sub-representação das mulheres na política passa pela sua invisibilidade nos partidos. As mulheres estão nos partidos desde seu processo de construção, porém, permanecem nos bastidores, invisíveis, presas as atividades de secretaria e organização administrativa dos partidos, ainda são vistas como “tarefeiras”. Porém, não se pode desconsiderar que há um número significativo de mulheres que estão nos partidos desde sua construção inicial. O que impressiona é que quando chega as eleições de vereadoras, aí sim, muitas mulheres são lembradas, porque o cargo de vereadoras está em uma esfera menos importante na conjuntura do País.
Fica mais difícil sustentar a luta pela igualdade de gênero diante da desigualdade de representação?
Claro. Está mais do que provado que um maior número de mulheres em espaços de decisão,facilita a discussão e a reflexão sobre temas que dizem respeito ao gênero, bem como a aprovação de projetos com recorte de gênero. No Livro Os Bastidores da Tribuna, que analiso as deputadas que atuaram no mandato de 2002-2006 constato que embora sub-representadas no Legislativo Maranhense, as oito deputadas que ocupavam as 42 cadeiras na Assembleia Legislativa do Maranhão naquele mandato, fizeram uma diferença enorme ao apresentarem diversos projetos que diziam respeito as mulheres além de instigarem um debate constante sobre questões sociais que em geral passava despercebidos pela sociedade. As mulheres, assim como os negros e os indígenas quando chegam ao poder, fazem uma enorme diferença, a história tem provado. Não se pode desconsiderar que a sub-representação reforça a ideia de subalternidade e incide de forma discriminatória sobre as poucas eleitas que se sentem tolhidas e muitas vezes intimidadas no espaço de poder, dados a exigência de um modelo e o uso de recursos da oratória, para o que as mulheres não foram educadas e treinadas.
Na história política do Maranhão tivemos uma chefe do Executivo originária do poder oligárquico. Por outro lado, a presença da mulher no parlamento está associada a líderes, geralmente novos “coronéis” da política regional. Qual é o significa dessa representação para o gênero?
O parlamento no Maranhão continua oligárquico, basta verificar a origem familiar de cada parlamentar. Eu diria que nas eleições de 2018 se elegeu um dos parlamentos mais conservadores das duas últimas décadas. Esta é uma contradição do governo de Flávio Dino que a exemplo do governo do PT fez alianças que comprometeu seu projeto de governo. Tanto as mulheres como os homens que compõem o quadro de representação da população maranhense, são filha (o)s, esposas, sobrinha(o)s, neta (o)s de políticos conservadores. Se verificarmos a trajetória de cada um dos 42 deputados, verificamos que 80% representam interesses familiares e de grupos políticos. Esse fato é extremamente complicado para a correlação de forças que se instaurou no Maranhão, tendo em vista a necessidade de se pensar políticas que possam alterar a situação de pobreza e miséria de muitas comunidades neste Estado.
Muito do discurso construído contra o PT e as esquerdas traz conotações de gênero, responsabilizando as esquerdas por licenciosidade e não da conquista de cidadania. Nesse quadro de guerra surda como se dará o enfrentamento do machismo e da crescente violência contra mulher?
São os partidos de esquerda que fazem o diferencial no debate político, em todas as esferas. Acompanhando a política brasileira a partir de estudos, e de uma militância que iniciei muito jovem quando ingressei no movimento estudantil, sindical e depois o movimento feminista, nos finais dos anos 70, posso afirmar que o Partido dos Trabalhadores em seu mandato que corresponde aos anos de 2003 -2015 conseguiu alterar do ponto de vista legal e social as relações de gênero. O conjunto de políticas, legislações, programas e projetos criados neste período fez o Brasil se aproximar das nações mais desenvolvidas do mundo, as mulheres, os negros e os indígenas, passaram a ter um tratamento de cidadãos. O enfrentamento das mulheres tem sido uma das ações politicas mais relevantes que emergiu no Brasil desde o processo do impeachment em 2016 e neste enfrentamento destaco principalmente as ações dos movimentos feministas no Brasil inteiro e nas grandes cidades em vários países, incluindo São Luís e Imperatriz.
Em termos ideológico, qual seria o perfil atual da representação feminina na política do Maranhão?
Observamos que nesta atual conjuntura, acentuou-se mais ainda os conservadorismos no cenário político maranhense. Foi o reflexo da onda conservadora. O cenário da Câmara Federal é ainda pior, vejam como os deputados votaram na questão da Reforma da Previdência. Outro fato grave é que nesta última eleição não se elegeu nenhuma mulher para o cargo de deputada federal. Isso é grave e retrata o pouco investimento dos partidos as eleições de mulheres. Esperávamos que com a nova lei eleitoral em vigor, que aprovou recursos públicos para as campanhas, essa situação fosse alterada, porém, o que se viu foi a perda da única cadeira destinada as mulheres.